terça-feira, 23 de abril de 2019

Bebidas e tragos amargam um estômago cheio de borboletas

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- O mundo está se acabando, meu bem!
- Mas ainda tenho tempo para te escrever algumas coisas.
- Mais melancolia?
- Mais amor, meu amor, por favor!

Para onde fugiu quando te pedi para ficar?
Para onde correu quando te pedir para estar?
Para onde sumiu quando te pedi para me encontrar?
Para onde surtou quando te pedi para te cuidar?
Para onde enlouqueceu quando te pedi para me abraçar?
Para que braços correu quando disse que nos teus braços era o meu lar?
Para qual boca se encontrou quando te pedi para me beijar?
Em qual gaveta deixou meu nome guardado quando te pedi para de mim lembrar?
Para onde se prendeu quando te pedi para não me soltar?
Para qual cama se deitou quando arrumei a minha para ti e ninguém mais?
De quem pediu cigarros quando os teus acabaram?
De quem pediu um gole quando sua cerveja chegou ao fim?
E de quem pediu amor quando o teu por mim já não existia mais?
E para onde foi o teu olhar quando já não me enxergava?
Para quem sorriu quando ao me ver só sentia escorrer lágrimas?
Para quem correu quando tua vida mudou e precisava desabafar sobre os teus dias?
Em quem se agarrou quando estava exausta e só queria carinhos?
Quem alimentou o teu cachorro quando não estavas em casa?
Quem alimentou o teu ego quando se sentia feia?
E para onde correu quando se sentia linda?
Para quem pediu poemas quando os meus já não te satisfaziam mais?
Poemas medíocres. Monótonos. Chatos. Esgotantes. Angustiantes. Entediantes. E mal escritos. Assim como o amor. Assim como este amor.
E em qual lixeira me jogou quando o teu amor por mim já eram cacos?
Teu amor me cegou faz tempo, meu amor. E me matou. O eu de uns anos atrás não existe mais. E tudo porque o tempo do meu tempo que te entreguei pensando em ter tempo de te amar se esgotou com o tempo contido no meu tempo perdido por não saber te amar num tem esgotante que nunca tive.
Seja feliz, meu bem!

O número do teu telefone nunca decorei, mas penso em te ligar todos os dias.
O número da tua casa eu já não sei mais, mas penso em te visitar todos os dias.
O som de tua voz eu já não lembro mais, mas pensei em te telefonar hoje.
Não decorei teu número.
Tenho pavor de telefones.
Sinto pavor da tua voz.
E eu sempre odiei falar pelos fios, se lembra, meu amor? Você odiava essa minha falha, mas sempre sorria.
O teu perfume eu não sinto mais, mas penso em te comprar um todos os dias.
Os teus livros favoritos eu não sei mais quais são, mas penso em te escrever todos os dias.
Esqueci tua marca preferida de bebida, mas penso em beber ao teu lado e desfrutar coisas boas e ruins da vida todos os dias.
E todos os dias penso em não lembrar de ti, mas lembro que não te esqueci. E jamais irei esquecer.
E isso machuca. Machuca tanto quanto meu pavor por telefones.
E sabe, meu bem, não sei lidar com saudades, mas sinto tua falta todos os dias.
E eu gostaria de te ligar para te dizer isso, mas tenho medo que não queira saber.
E eu tenho pavor de telefones.
E pavor da tua voz, voz que eu já nem lembro mais como é.
E eu tenho pavor de te esquecer, querida, mesmo que eu mate todos os dias borboletas que ecoam em meu estômago e me mostram que jamais te esqueci.
Acabei de assassinar mais uma!
E eu não lembro mais qual tua música preferida, mas quero tocar todas as canções do mundo para você. Todos os dias.
E eu não lembro se tu gostava de blues tanto quanto eu gosto, mas quero te tocar ao ouvir o blues mais triste que a vida pode me devolver e derramar lágrimas por lembrar o momento exato em que te perdi.
E eu te perdi, querida.
E tenho pavor de telefones, mas eu queria tanto te ligar. Te ligar para dizer que está tudo bem. Te ligar para dizer que desde que você se foi, entrego meus outros pavores para o mundo.
E eu esqueci o teu cheiro, mas ele infesta o meu quarto com todas as tuas lembranças.
Esqueci de limpar o meu quarto.
Ele esta uma bagunça.
Esqueci do teu rosto, meu bem, mas tenho nossa última fotografia na estante do meu quarto. Lembra desse dia? Porque me esqueci.
Estou indo embora agora, querida. Para bem longe. Procurando intestinos para depositar todas as minhas borboletas mortas em jardins recriados pela minha tristeza de estar tão longe de você. Gostaria de te dizer adeus, mas esqueci o teu número.
Não, espera, eu nunca decorei o teu número.
Porque eu tenho pavor de telefone.

Mas sempre que ele toca, eu vejo se é você. E desligo. Nunca é. Nunca será. Você sempre teve pavor em me amar.

- Ainda tenho algum tempo?
- Querido, você tem todo tempo do mundo para escrever tuas besteiras.
- É isso o que pensam de minhas cartas? Besteiras?
- E o que é então?
- Minhas verdades. Meias verdades. Até o último trago chegar ao fim e a última cerveja se acabar.
- Ninguém lê, meu bem.
- Eu sei. Engulo todas as palavras de volta como quem engole cervejas inteiras e tragos sem fim.
- Você é tão bobo, meu amor. Tão bobo.
- Querida, sinto falta de algo.
- Do que?
- Não sei bem, meu bem.
- De alguém?
- Não sei bem, meu bem.
- Não posso te ajudar deste jeito.
- Existe um vazio eterno dentro de mim que não pode ser preenchido com amores mesquinhos e cartas baratas. Mas existe um vazio eterno por algo que já nem sei bem o que é.
- O teu amor não vai voltar.

O amor é um vazio constante que nada tem para nos entregar em madrugadas tão frias quanto nossas almas. E as borboletas de ansiedade por um amor que nunca mais sentirei são mortas com tapas como moscas em nossas sopas tomadas em nossa sala de estar.

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