quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Marinheiro de primeira e unica viagem


E escrevo-te hoje sobre os traumas. Traumas de uma vida que ninguém sabe ao certo em quais linhas devem ser escritas. Não acredito mais nas esperanças e milagres, assim como não acredito mais e desacreditar e não ter fé. Quem sou eu em meio aos traumas? Pergunta impossível de responder. Acredito que desde que nascemos vivemos por traumas e mais traumas. Trauma de nascer, de chorar, de crescer, trauma de juvenescer, de amar, de viver, carnal, trauma de estudar, de trabalhar, de não viver mais, trauma de casar, de ter filhos, de continuar cansadamente trabalhando e não mais estudando por não existir mais tempo nem para si mesmo, trauma de envelhecer, adoecer e morrer. A vida é um trauma e eis me aqui para lhe contar alguns deles, não que seja tão importante assim. Ou seja.
Traumas e mais traumas e hoje já sinto o peso dessa palavra sobre minhas costas. Ei você que talvez esteja aqui lendo minhas palavras contidas, quais são os seus traumas? Paraste para pensar em alguns deles. Se não, já não faça isso, pois eis um trauma que terá que conviver daqui para frente. A partir do momento que lembra dos teus traumas, outros traumas maiores virão e é então que a vida começa a te bater um pouco mais.
Não venho por meio desta querer escrever mais palavras tristes sobre uma vida que já é triste demais - a nossa -, mas venho escrever sobre a alma de um marinheiro que já se encontra perdido o suficiente para escrever algumas palavras de cura. Onde se encontra a minha alma senão na tua? Onde se encontra minha razão senão nos pensamentos que já são teus? Também não quero escrever sobre o amor, não hoje, não agora, e talvez nem mais tarde. O amor está num nível que é bom o suficiente apenas senti-lo e não para falar sobre.

Escrevo-te essa pequena carta numa quarta-feira nublada para dizer que estou cansado. Não da vida, da vida sempre fui cansado. Tão cansado e exaustivo como essa quarta-feira e isso não vem ao caso porque já não é importante minhas recomendações tristes de como a vida realmente é, mas escrevo-te para dizer que estou cansado dessa vida de marinheiro que nunca volta para sua verdadeira casa. E já não sei mais onde é o meu lar senão no mundo. E isso cansa. Cansa ter perdido o sorriso sincero e a esperança de que um dia eu volte. Cansa o choro contido mais cinza que essa quarta-feira. Cansa não ter onde nem como escrever e muitas vezes ter um papel e caneta achado no canto do navio, mas não saber as palavras certas para descrever tal momento. E é então que percebo que a fonte de todos os meus problemas são passados e feitos apenas por mim mesmo. Isso também cansa. Pois é aqui então que vem o trauma de sentir saudades de uma vida que já se foi há muitos mares. Saudades das canções antigas, dos sorrisos antigos, dos cardápios antigos, dos restaurantes e bares que hoje já não se encontram abertos para que eu possa tomar uma bela cerveja ou um drink bem feito. Saudades das mulheres de antigamente que eram muito mais fortes que hoje. Saudades dos homens que eram muito melhores do que são hoje, inclusive eu. Saudade de um mundo que nunca foi mudado e que nunca vai mudar, mas se formos parar para pensar, saudades de acreditar que é o mundo que está mudando invés de perceber que são as pessoas que mudaram. O mundo continua sendo o mesmo. Nossas almas que estão apenas desaparecendo.

Já não quero escrever sobre romances. Sobre politica. Sobre religiões. Sobre depressões ou bares ou mulheres ou sexo. Já não quero escrever sobre como o mundo está deveras chato. Sobre como as coisas poderiam ser melhores. Já não quero. Quero apenas me sentar no convés e escrever sobre minhas viagens que há muito tempo já não escrevo. Estar em mar aberto em cima de terra firme é o que existe de melhor. Acredito que entendas o que quero expressar nessa carta que aqui vos escrevo. Lembre-se.
O mundo me acolhe de tal forma que não existe como explicar e o mar negro chamado pessoas já me engoliu faz um bom e velho tempo.
- Eu sei porque você é tão desacreditado das coisas. - ela disse.
- Sabe?! - eu disse.
- Eu sei porque você não acredita em Deus. - ela continuou.
- Hm.
- Porque você deixou de acreditar nas pessoas faz tempo. Você abomina e tem tanto pavor das coisas que as pessoas fizeram e são capazes de fazer que isso reflete nas coisas que você acredita. Deus é uma delas. As pessoas estragam e destroem tudo que elas enxergam pela frente. - ela disse.
- Deus é  uma invenção dos homens e nada mais. Tudo é invenção dos homens. As coisas boas e as ruins. Algumas para eles se sentirem melhores e outras para serem apenas horríveis. O mundo é um colapso depressivo graças a todas as coisas que os seres humanos fizeram com ele e refletem nesse grande espelho. - eu respondi e continuamos caminhando á beira mar.

Eu precisava escrever tais palavras para que me sentisse um pouco melhor novamente. Tenho esquecido um pouco das palavras por conta do mar negro que me engoliu, mas o mundo ainda continua me mostrando coisas boas e disso é o que eu sinto mais falta. De coisas boas entregues pelo mundo. E ainda sinto falta do meu lar. Um dia eu voltarei e um dia serei feliz novamente. E um dia olharei para todas essas pessoas que me engoliram e pensarei "E hoje eu sou tão feliz quanto todos vocês", mas essa minha vida de marinheiro está muito longe ainda de terminar. A minha primeira e unica viagem que a vida me entregou está apenas começando. Existem muitos mares para percorrer e muitas histórias para contar. O convés foi destruído novamente, as âncoras continuam levantadas, as cordas ainda estão firmes e fortes. O máximo que necessito fazer nessa vida que já não sei mais para onde vai dar é consertar o convés e criar esperança que esses mares me levem para um caminho distinto entre a felicidade e a realidade. Qual você escolheria?

E eu ainda não sei. Eis então que minha viagem está longe do fim.