sexta-feira, 27 de março de 2020

Na festa da nossa extinção, quantos irão morrer até o final dessa carta?!

Luna Buschinelli – Projeto Mulheres Artistas

- Não escrevestes mais nada, meu bem? O que se passa, tens se sentido bem ultimamente?
- Não, querida, tudo de mal a pior, apenas tenho medo de minhas palavras.
- Medo, meu bem? Não estas nada bem então.
- Não sei quantas pessoas irão sobreviver até o meu ponto final. Isso me assusta.

E a gente adoeceu.
E a gente se perdeu.
A gente já não enxerga mais o mundo lá fora.
Ele já não é mais o mesmo.
E nós não somos mais os mesmos.
A gente adoeceu.
E ficamos em casa.
Não saímos mais dela.
Estamos presos dentro de nossas próprias estadias.
Sem saber o que fazer.
Porque a gente se perdeu assim que adoecemos.
E eles falam "O ser humano sempre adoece, tudo normal".
Mas não estamos normais. Não existe nada normal quando a nossa própria extinção está rolando a solta lá fora.
E o mundo responde com todas as forças por estarmos achando que estamos bem.
Mas a gente adoeceu. E a gente sabe disso.
"Não saia de suas casas", eles disseram.
E ficamos em casa.
Gente que surta.
Que prega.
Que paga.
Que apaga.
Que traga.
Que teima.
Que chora.
E se estraga.
Mentiras em nossas mentes nos faz surtar.
Que surta. Que surta. Que surta.
Que teima.
Que reina.
Que entrega.
E se acovarda.
E estamos presos dentro de nossos próprios infernos. O inferno existe.
E ele está aqui. Esse é o inferno. E deixa a gente queimar. Deixa a gente sentir. Deixa a gente chorar.
Porque, todos sabemos, fomos nós mesmos que causamos tudo isso. E acho que a gente deve passar por isso para aprender a dar mais intensidade para as coisas. E um pouco mais de amor, quem sabe?! E um pouco mais de valor, quem sabe também?!
Deixa a gente passar por isso. Fomos nós que começamos esse inferno. Fomos nós que adoecemos o mundo e essa é a resposta que ele tem para nos dar. Deixa a gente se matar dentro de nossos próprios lares na esperança de que tudo, um dia, ficará bem novamente. Mesmo a gente sabendo que, daqui pra frente, nada se encontrará bem de novo. E a gente sabe disso. Sabemos muito bem. Cada resposta que o mundo nos da, é uma carta branca para que ele extermine todos nós daqui de uma vez por todas.
O mundo já não nos aguenta e isso faz um bom tempo.

- Meu bem, meu bem, você está a ponto de surtar.
- Tu achas, querida?
- Vejo em teus olhos, tu já não aguenta mais.
- O que devo fazer?
- Surta, meu bem. Apenas surta. Mas aguenta firme, bem firme. Surte com limites. E se permita sonhar assim que teu surto acabar. Se permita estar. Ser. Nascer. E viver. Quem sabe, morrer de novo, e de novo, e de novo.
- O que acha de eu escrever algo?
- Tens em mente que o mundo está explodindo lá fora, não tem? E que cada palavra é um tiro da sua alma que em nada afetará as pessoas, elas já estão alucinadas o suficiente com tudo que vêm acontecendo, não sabe?
- E onde ficou o amor nisso tudo, querida?
- A gente esqueceu como se ama, meu bem, não sei porque choras ao pensar nisso.
- A nossa maior doença não é as que estão lá fora, mas sim aqui dentro de nós. A gente adoece cada vez que esquece como faz para amar. E não digo romances clichês que a vida nos da, mas sim o amor próprio, e logo em seguida, quando a gente aprende a se amar, amar o próximo. Tenho medo de voltar para o mundo real, a gente perdeu o amor em um canto qualquer do mundo. O dinheiro vem sempre a frente. O dinheiro e a ganância e o ego são as fontes que faz a sociedade viver. E onde está o amor?
- Você surtou faz tempo e nem sabia disso, meu bem.

Que surta.
Que surte.
Que atrai.
Que fere.
Que sente.
Que mente.
Que bebe.
Que escreve.
E traga.
Que engole.
Que solve.
Que dissolve.
Que abala.
Que embala.
Que sofre.
E respira.
E eu surtei. Aqui dentro. Em silêncio, mas eu surtei.
E eu olhei para os lados e não enxerguei nada. Olhei para o teto e não vi nada.
E eu sofri quietinho.
Pensei no mundo. Nas pessoas. Na sociedade. No amor. Nos romances. Na vida real.
Pensei em todos os clichês.
Clichês como deitar na grama. Sorrir na grama. Olhar para o céu. Enxergar o sol. Aplaudir o sol. E sentir o vento. Olhar para o lado. Abrir a cesta e tirar as tralhas para o lanche da tarde. E olhar para o outro lado e ver a pessoa que amo. E sorrir. E achar isso clichê demais, mas não se importar. Na verdade, pensei que, assim que tudo melhorar, vou tentar completar uma série de clichês que preciso vivenciar de novo. Como abraçar. Cheirar. Sentir. Comer em restaurantes baratos e achar a comida uma merda. Visitar amigos. Visitar botecos, beber por um valor bem baixo e achar a música que está tocando um saco. Trabalhar. Fazer dinheiro. Pagar as contas. Receber mensagens como "Vem aqui em casa hoje, quero te ver" e sorrir. Clichê esse que quero fazer com todo o sentimento do meu coração, sorrir sem esforço. E sentir. Sentir muito o vento da vida real batendo em meu rosto e dizer que eu sobrevivi a mais uma extinção da humanidade.
Ainda estou aqui, enchendo o cu de cervejas e empapuçando a barriga com besteiras comestíveis que me privam de conseguir falar palavras adequadas ou engraçadas. Por conta disso, peguei o celular, disquei o número da pessoa que eu mais gostaria de ouvir a voz nesse momento. Não apertei o botão que faz a ligação. Desliguei o celular. Não conseguiria falar uma palavra bonita sequer, ela riria da minha cara, eu não acharia graça e ficaria sem graça, possivelmente vermelho, e desastrado com romances do jeito que sou, talvez desligaria na cara da pessoa e ela não entenderia nada. Seria um clichê cômico, mas a vida está complicada demais para clichês.
Talvez, creio eu, que seja por esse fato de eu não ter escrito algo antes. Minhas cartas são todos clichês da vida real que eu nunca sei lidar. Meus amores. Meus romances. Minha depressão. Minha ansiedade. Meus poemas. É tudo muito clichê, sabemos disso. Já escrevi demais sobre isso. Mas eu percebi que ainda é muito cedo para esse tipo de inferno pessoal. A festa que está rolando no momento é outra. E eu não vejo motivo nenhum em se apaixonar quando o mundo está acabando lá fora.

- Espera, tens certeza que a melhor forma de sobreviver a isso é não se apaixonando?
- Absoluta certeza.
- O mundo está acabando e você não vai se declarar para ninguém? Viver seu último clichê? Fazer algo que faça você sentir teu coração batendo dentro de você? O mundo vai acabar, tu vais morrer e vais se arrepender de não ter dito e feito o que deveria ser dito e feito para quem te faz sentir algo.
- Perdi todas as minhas certezas.
- Bem, meu bem, irei para minha casa, existe alguma doença lá fora que não deixa as pessoas saírem de suas residências e preciso obedecer as ordens do governo. Sabes o que está acontecendo?
- Alguma espécie de vírus, bactéria, não sei bem.
- Perdeu tuas certezas, não é mesmo?
- Creio que sim.
- Pega o celular. Liga. Liga para o teu romance. Sente um pouquinho do amor. Sorria de verdade, mesmo que seja para ficar sem graça. Deixa as besteiras comestíveis para depois. Deixa a cerveja de lado. Liga para ela. Sinta algo dentro de você. Apenas liga.
- Tu estas certa.

Ela foi embora.
Sentei em minha cama. Abri outra cerveja.
Olha, veja só, um pacote imenso de salgadinhos que, assim que come-los, passarei mal e cagarei até eu perder minhas forças.
Não tem problema.
Peguei o celular. Disquei o número.
Refleti.
Olhei para a foto que apareceu. Tão linda.
Pensei mais um pouco.
E lembrei que eu disse "Volte sempre", por força do hábito, para a pessoa que roubou minha alma antes de ir embora.
Na festa da nossa extinção, eu deveria ter mais coragem em me declarar para quem eu gostaria que ouvisse o que ouso sentir.
Qual o segredo desse clichê?

- O mundo está morrendo e tu ainda tens tempo e cabeça para surtar, chorar, escrever, beber e amar, meu filho?!
- Mãe, sabe quantas pessoas morreram antes de eu terminar minha última carta?
- Não sei, meu filho.
- Escrevi tanta bobagem por medo de colocar um ponto final, não sei se deveria publicar. Tenho me sentido tão para baixo, tão vazio. Tão vazio que acredito que minhas palavras estão vazias. Não sei o que pensar.
- Publique, meu filho. E venha, ande, vamos tomar um chá e conversar sobre o que tens pensado.

Ponto final.

terça-feira, 17 de março de 2020

Posso me explicar e nem vou tentar (cartas para ninguém)

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Tu vais me chamar de louco.
Ficará sem entender.
E eu espero que se sinta assim.
E eu quero que se sinta assim.
Conforme eu espero, te aceito. E te busco.
Para perto de mim. Bem pertinho. Aqui e assim.
Eu puxei tantas vezes o meu celular do bolso para te ligar.
Não liguei!
Eu olhei para o meu telefone no quarto, tirei ele do gancho, disquei metade do teu número.
E não te liguei!
Tudo para te sentir um pouco mais perto de mim. Aqui e assim.
Eu tentei inúmeras vezes te sentir bem pertinho de mim.
Aqui dentro. Assim.
E ouvir tua voz já não me estremece mais como há um tempo estremeceu.
E eu tentei, juro que eu tentei pensar em todas as formas possíveis para chegar em você e puxas tuas mãos para dançar comigo.
Falhei.
Todos os pensamentos foram em vão.
Nunca fui a melhor forma existente para demonstrar sentimentos, paixões e apegos. Eu não sei lidar com os desapegos. Talvez seja esse o motivo.
Não tentarei me explicar.
Exatamente para você não entender.
E quer saber como funciona a alma de um poeta que sofre?
Queres mesmo saber como trabalha a alma de um poeta que sabe a melhor maneira de colocar exatamente tudo para fora?
Eu conversarei um pouco com você. Aqui. E agora. Nesta carta.
Consegues ler, não é mesmo?
Deixa eu te mostrar como as coisas funcionam. Preste atenção nesse diálogo. Nessa pequena conversa que envolve muito sentimento e como um poeta consegue cuspir e vomitar todas as coisas ruins dentro dele surgindo tudo de um pequeno contexto de um dia qualquer.
Vamos lá. Tente entender. Foca no que vem depois.
Acordo fechado?

- Meu bem, meu bem. Eu me perdi de você - ela abriu uma cerveja, sentou-se no sofá.
- Como assim, meu bem? - coloquei meus olhos nela.
- Já não sinto tua falta como eu sentia antes.
- A saudade já não aperta mais, não é? Te entendo.
- Exatamente, parece que você não se importa.
- Mas eu não me importo, querida, você sabe bem.
- É que...
Pausa!
Ela bebeu a cerveja. E me olhou.

Pausa. Pausa. PAUSA!

Meu quarto continua a mesma bagunça desde que meu amor foi embora.
Meus livros empoeirados.
Minha cama bagunçada.
Cerveja pelos cantos. E pelos de cachorro. Ele se encontra nessa bagunça.
Assim como eu.
E eu sinto falta dessa bagunça quando eu saio para a bagunça do mundo.
Existe alguma coisa aqui dentro dessa bagunça que me impede de sair lá fora.
E existe algo aqui dentro de mim que me impede de ser feliz.
Mas existe algo muito mais forte dentro de mim que me impede de amar.
Algo que trava. Me prende. Me explora. E gargalha.
Não sei se é um pássaro.
Não sei se é um ser sobrenatural.
Não sei se é uma demônio.
Não sei se é um anjo.
Poderia ser algo além do universo.
Poderia ser só o cupido que brinca, que apronta, que falha, que erra e ainda sorri.
Que atira flechas para todos os lados sem saber quais irão acertar nos meus ombros.
Mas ele sempre acerta essa maldita flecha. E sangra. Sangra muito. Sangra demais.
Ele encosta no meu outro ombro e se mija de dar risada.
E eu estou lá, sangrando.
Eu tento tirar a flecha. Eu tento fugir da flecha. Eu tento não olhar a flecha, mas ela transborda sentimentos e sangue de mim. E ele sorri. Gargalha. Esperneia. E eu não consigo enxerga-lo.
Minha visão míope está me impedindo de enxergar todas as coisas boas existentes a um palmo de mim.
É complicado!
Existe alguma coisa dentro de mim que quer fugir. Que quer se libertar. Que quer voar para outros e outros lugares afim de se encontrar.
Existe algo dentro de mim que é incapaz de sair. Ele está vivo. Bem vivo, mas ele abre os olhos e não sente vontade de nada.
Porque ele se lembra das liberdades que lhe foram passadas e são essas mesmas liberdades que lhe dão tanta, mas tanta preguiça de viver.
Os amigos não são suficientes.
O trabalho não é suficiente.
A família não é suficiente.
Os porres já não são suficientes.
E ele não entende. E eu não entendo. Mas eu sei que existe alguma coisa aqui dentro de mim pronta para se libertar.
Eu gostaria de enxergar melhor. De te enxergar melhor.
De ver que as tuas mãos estão nas minhas.
De ver o sorriso sincero. E a boca seca de tanto nervosismo por estar tão perto.
E eu gostaria de enxergar melhor os teus olhos. E te puxar para dançar e te enxergar pertinho.
E eu gostaria de abrir os olhos e te enxergar ao meu lado num domingo qualquer.
Nesse quarto bagunçado. Não tem problema.
Eu sinto falta dessa nossa bagunça.
Quero dizer, sinto falta da minha bagunça.
Me entenda. E compreenda.
Eu gostaria de enxergar melhor os meus poemas e te entregar todos eles.
Gostaria de saber soltar todos os meus sentimentos e te ter aqui pertinho de mim.
Aqui. Assim. Lembra? Pertinho.
Eu gostaria de enxergar todos os versos meus sem tanta tristeza. Gostaria de escrever palavras menos pessoais para as pessoas não sentirem pena.
Eu não quero pena. Não quero sentimentos de pessoas que mal entendem o que eu consegui enxergar.
Eu quero me libertar disso. E tem alguma coisa aqui dentro me dizendo que é hora de partir. E não se explicar. E que eu deveria arrumar meu quarto, abrir as janelas, limpar os móveis, pegar as garrafas de cervejas, recolher os papéis de poesias e dar outro banho no meu cachorro. Algo me diz que eu deveria ajeitar a cama. E abrir as portas do guarda-roupa. Algo me diz que eu deveria colocar uma bela canção na TV e deixar tocando. E que eu deveria tomar um banho. E ajeitar a barba. E escovar meus cabelos. Algo me diz que eu deveria abrir a porta da sacada e sentar sob o luar, abrir uma cerveja e esperar. Esperar teu telefonema me dizendo que está chegando e eu te dizer de volta que está quase tudo pronto.
Do que estou esquecendo?
O que é mesmo?
Qual é aquela coisa que eu sempre esqueço que eu deveria fazer no meu quarto?
JÁ SEI. Trocar as lâmpadas e ligar o ventilador.
Quem sabe passar um perfume em mim. E um aromatizador no quarto.
Seria perfeito, não seria? Isso. Ligar as luzes. Iluminar o ambiente. Seria perfeito.
E te esperar. E sempre esperar. E tentar, de alguma forma, te trazer sempre para pertinho, bem pertinho. E ouvir sua voz e estremecer novamente. E sentir teu cheiro a milhares de quilômetros de distância e saber que estas prestes a chegar.
Sinto falta de me sentir seguro ao lado de alguém. De saber que todos os meus dias têm sido muito, mas muito pesados e que todo o fardo existente em minhas costas eu já não consigo carregar, mas saber que a minha leveza está na pureza de um olhar e na meiguice de um carinho sincero.
Clichê, você não acha?
Mas eu gostaria de sussurrar em teu ouvido aquela frase que muitos dizem.
Qual é mesmo a frase?
Podes me lembrar?
Eu esqueci!
A frase continha apenas três pequenas palavrinhas de muito, muito poder.

Chega de pausa! Continua.

- É que...eu sinto falta de abrir uma cerveja com você e te ouvir dizendo sobre o teu dia.
- Foi horrível, sabe?
- Pega uma cerveja, vem sentar aqui comigo. Larga esse livro. Me conta sobre o seu dia. Me diz sobre você. Me conta o que tens pensado e como tens pensado. Me fala sobre o último filme que assistiu. Me fala sobre o último disco que ouviu. E como seu chefe tem sido um pé no saco. Me diz como está teu coração. Como está tua mente. Me conta tudo. Pega uma cerveja, mas explica devagar, sem pressa. Só eu e você. Aqui nesse sofá. Deixa eu ouvir tua voz. Eu só quero ouvir tua voz, te sentir aqui do meu lado e mesmo assim sentir aquela saudade que aperta. Lacrimejar com o tom dez e agradecer por você ser a pessoa da minha vida. Vem. Vem pra pertinho de mim. Fica distante não. Pega a cerveja e vem aqui. Pode ser?

A gente se levanta.
A gente vai até a cozinha.
A gente abre a geladeira.
A gente pega a cerveja.
A gente olha para a cerveja.
E sorri.
E volta para a sala. E coloca uma boa música.
E a gente senta no sofá.
E a gente vive aquele momento.
E existe algo aqui dentro que eu gostaria que se libertasse, mas meu quarto e minha mente escura me privam disso e me limitam a chegar onde eu sempre quis com quem eu sempre quis da maneira que sempre quis.
E eu choro em silêncio, todas as noites, por pensar e sentir esses momentos.
Com quem?
Não sei. Não quero saber. Não quero pensar. Não agora.
Eu, definitivamente, pensei em alguém escrevendo todas essas minhas palavras.
Mas eu dedico essa carta para ninguém.
Você pensou em alguém lendo essa carta?
Dedica ela para alguém.

AH, CARALHO!
Eu lembrei daquelas três palavrinhas muito fortes. Como eu esqueci de algo tão simples e poderoso.
Lá vai, hein?!

"Não vá embora!"

O que você pensou e sentiu e viveu ao ler essas três palavras?
Complexo, tu não acha?