terça-feira, 1 de dezembro de 2020

...daquelas poesias amarrotadas que todos pensam ser carta romântica


...e está bem longe de ser, meu bem.
Meu coração está sendo, diariamente, estrangulado pelo mundo.
Os nós na garganta estão insuportáveis de se conviver.
E o estômago está empapuçado de tanta besteira inútil que me faz sentir vontade te ligar.
Ouvir o toque do teu telefone.
Te esperar atender.
Ouvir tua voz cansada.
E pedir para dar meia volta e vir de encontro a mim.
Isso tu não faria.
E eu jamais te ligaria.
Não dessa forma.
Não desse jeito.
Não nesses dias.
Te escrevi uma poesia mesmo sem ter nada a dizer.
Te escrevi tanta coisa mesmo sem nem lembrar o som da tua voz.
E eu queria que tudo estivesse perfeitamente bem para eu poder pedir a tua ajuda em paz.
As folhas secaram.
As rosas murcharam.
O vento está cada vez mais quente.
As ruas cada vez mais silenciosas.
Meu quarto cada vez mais bagunçado.
O coração espedaçado.
O estômago dolorido.
A barba amarrotada de tanto tentar dormir. Virando de um lado para o outro.
Noites e mais noites.
Tentando dormir. Tentando não pensar. Tentando te chamar.
Tentando acreditar que um dia saberei viver só.
E eu não sei viver só.
Não aprendi.
Nem quero aprender.
Eu quero sair na sacada e te pedir para entrar em meu quarto.
Olhar e compreender minhas bagunças.
Se surpreender com minhas besteiras.
E entender que eu não sou capaz de continuar sem a força dos teus braços quentes em volta dos meus.
Eu gostaria dos teus lábios úmidos transparecendo palavras de que tudo irá ficar bem.
Uma hora tudo tem que ficar bem.
Quero o teu sossego.
Tua paz.
Teu carinho.
Teu encanto.
Teu charme.
Teu corpo.
Quero o teu suor entrelaçado ao meu.
Quero sentir o calor de amar novamente.
E esquecer as teorias e práticas de erros e enganos e defeitos e loucuras e surtos e doenças e mortes que assola o nosso mundo.
Até cansei só de lembrar e escrever essas maluquices.
Eu quero dormir ao teu lado e não ao lado de garrafas totalmente vazias de cervejas.
Quero tragar o sabor da tua boca e não de tragos que eu insisto em botar para dentro para tentar matar o amargo constante dentro de mim.
Eu preciso ouvir de você que tudo irá ficar bem.
Eu preciso ver o teu sorriso e acreditar que não preciso ter medo de sair lá fora.
Eu quero te encontrar para te dizer, em silêncio, que eu tenho muito para te falar.
E me deixa falar, por favor.
Me deixa soltar tudo que tenho em mente.
O que sinto.
O que faço.
O que vejo.
O que penso.
O que choro.
E o que me mata.
Deixa eu te falar todas as minhas doideiras enquanto tu acaba com o teu vinho preferido e sorri suas bobagens.
Eu preciso te dizer que preciso de ajuda.
E que estou perdido demais para me encontrar.
A salvação tem sido uma carta curta sem remetente nenhum.
Tomara que chegue até você.

- Eles romantizam tudo, querido.
- O que tu queres dizer, meu bem?
- O ser humano, querido, tu podes deixar bem claro que precisa de ajuda. Que estas se sentindo sozinho. Que não estas bem. E eles irão sempre acreditar que todas as tuas cartas são uma comédia romântica.
- A vida é uma comédia romântica. Cabe apenas a nós mesmos saber e entender o que vale a pena ou não dar risada.
- Eles romantizam tudo, querido. Os heróis. As tragédias. As doenças. As loucuras. As depressões. As ansiedades. As guerras. A política. A morte. E assim vai. Acho que a forma de romantização que o ser humano criou é o jeito mais clichê de se sentirem bem com eles mesmos. Não sei bem.
- Não sei bem, querida. Só sei que está tudo uma bagunça.
- Uma baita bagunça, meu bem. 

...e tudo irá ficar bem uma hora, meu bem. 

Eu abri as janelas e deixei o sol entrar.
Lavei o rosto.
Enxuguei as lágrimas.
Segurei o coração com a palma da minha mão.
Respirei fundo.
Penteei a barba.
Ajeitei o cabelo.
Coloquei a minha melhor roupa.
Arrumei minha cama.
Recolhi as garrafas vazias de cerveja. 
Joguei as bitucas no lixo.
Peguei todas as cartas ruins amassadas pelos cantos da casa.
Rasguei fotografias de momentos que eu quero esquecer.
Coloquei tudo dentro de um saco grande de lixo.
Amarrei o saco.
Fui até a porta de minha casa.
Abri a porta.
Fui até o lugar certo de deixar o lixo.
Olhei para os lados. Me vi sozinho.
Não enxerguei ninguém.
Não fui obrigado a sorrir ou cumprimentar ou dar bom dia para alguém.
Odeio ter que fazer as coisas por obrigação.
Não que eu seja mal educado.
Mas eu não estava me sentindo cem por cento bem para ter outro contato humano.
Olhei para o céu.
Tudo azul.
Pássaros.
Vida.
Vento.
Lembranças.
Eu lembrei do teu sorriso. Lembrei o motivo desta poesia.
Imaginei que tudo iria ficar bem, uma hora.
Pensei em te ligar.
Te pedir para entrar.
Te estender a mão e pedir para ficar.
E me ajudar a ajeitar essa bagunça que está em minha vida.
Ou, até mesmo, misturar tua bagunça com a minha para sairmos vencedores dessa.
De alguma forma.
E vivos.
Eu. Tu. E o mundo.

...E tudo irá ficar bem. Hora ou outra.

Deixa eu te perguntar uma coisa antes de ir embora:

Fez algum CARALHO de sentido essa maldita carta romântica sem romance ou sou apenas um ansioso acreditando que o amor irá bater em minha porta novamente?

Ah amor...eu nem estou mais me importando tanto assim com o amor. Nada disso faz sentido, não é mesmo?!