terça-feira, 29 de outubro de 2019

Te confesso um assassinato?!

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- Ela disse que não lê tuas coisas porque tu só falas de amor!
- Eu não sei falar de amor, querida.
- Mas é o que ela pensa.
- Ela não sabe o que eu penso.
- E o que tu pensas?
- Se ela lesse as porras de minhas cartas como tu lê, ela saberias o que penso.
- Mas você deixa tão a desejar em tuas cartas.
- O que queres dizer com essa porra?
- As pessoas sempre leem tuas cartas e esperam sempre mais e mais e cada vez mais. E elas terminam e ficam com cara de merda esperando um final revoltante feliz, mas é só uma revoltante desgraça sem um fim específico.
- Viu?! Tu lê estas merdas e consegues me entender.
- Não, querido. Eu não consigo te entender.
- Será que eu já fiz algo lindo para o mundo? Será que eu deixei alguma carta que lembrarão de mim para sempre e me consagrarão como um digno escritor? Será que...?
- Não, querido. Pare com essas besteiras. Tu jamais deixarás de ser esse escritor de quinta categoria, bêbado e largado as traças.
- Você sempre me entregando tuas forças, não é?
- Tenho mentido para ti?
- Nunca. Ainda bem que sabes que nunca tentei provar nada para ninguém com minhas cartas.
- E porque escreves essas merdas?
- Porque eu tiro ela um pouquinho mais de meu coração sempre que escrevo.
- Ela é tua maior ferida?
- Não. Ela é só mais uma de minhas feridas. Me deixe escrever, querida. Só um pouco mais.
- Eu sempre deixo, meu bem. Eu sempre deixo.

E quantas vezes eu esperei o telefone tocar e tu nunca ligaste?
E quantas vezes escutei tua música preferida e percebi que também era a minha?
E quantas vezes me peguei lendo algo que tu adorava e quis te dizer o que achava?
E quantas vezes assisti teu filme preferido e, mesmo achando uma merda, sorria por lembrar que você adorava?
E quantas vezes eu desejei te ligar para ouvir tua voz e tu fez questão de apagar ela de minha memória?
E quantas vezes eu senti o teu perfume no ar e percebi que tu não usas mais desse aroma?
E quantas vezes almocei no teu restaurante preferido e percebi que você já não come mais as mesmas coisas?
E quantas vezes passei por tua calçada e percebi que tu já não mora mais no mesmo bairro?
E quantas vezes eu desejei te escrever e reparei que você não dá a mínima para o que escrevo?
E quantas vezes pensei em você, e sorri, e percebi que para ti sou apenas um laço cortado?
E quantas vezes eu te esperei e percebi que jamais irá voltar para os meus braços?
E quantas vezes cheguei em casa e acreditei que te encontraria deitada em minha cama, assistindo tuas besteiras ou fazendo teus trabalhos e nada encontrei?
E quantas vezes eu falei sobre ti e sorri, mas percebi que os teus sorrisos já não são mais por mim?
E quantas vezes eu te matei dentro de mim e percebi que são assassinatos momentâneos?
E quantas, e quantas vezes te escrevi nesse caralho e percebi que tu já não sabes ler meus poemas?

Eu te pensei. De ti lembrei. E eu bebi. Por ti traguei. E sobre ti chorei. E por ti esqueci. E eu pensei em te apagar da minha memória, porque pensar em você me machuca demais. E eu te bebi. E eu te traguei. E eu te chorei. E eu te lembrei. E eu te esqueci. Como sempre esqueço. Mas vejo teu nome em cada esquina que passo e lembro que tu sempre gostou de andar pelas ruas de São Paulo e me dizer o quanto tudo aquilo era incrível. E esses dias eu senti falta de te mostrar o mundo e ouvir você dizendo que eu sou o melhor guia da tua vida. E eu senti falta de olhar para você e ver teus olhos grandes brilharem por olharem todos aqueles prédios da cidade grande.
E, meu bem, eu não arrumei nada desde que foste embora. Eu deixei toda essa bagunça no mesmo lugar de sempre. Tudo tão bagunçado, mas tudo tão nosso. Teu cheiro. Teu jeito. Teu gosto. Teu beijo. Teu queixo. Teu despejo. Teu desejo. Tudo teu aqui dentro de mim. E eu percebo, cada dia mais, que meu coração ainda é o teu lugar. E que dentro desse peito ainda bate algo forte sempre que lembra do teu nome. E quando teu nome invade minhas entranhas, tudo dispara tão ferozmente que eu tenho que enjaular todas as feras obtidas dentro de mim para que não me machuquem mais.
E eu percebi, meu bem, que tua falta dificilmente será apagada de dentro de mim. Não importa o que eu faça. Não importa como eu viva. Não importa o que eu sinta por outras pessoas. Tua falta corrói minhas entranhas a ponto de te dedicar todas e quaisquer poesias. As melhores e piores. As mais linda e as mais assustadoras. E eu volto a tragar todas as minhas fumaças na esperança de que eu envelheça rápido para te esquecer com o tempo. E eu volto a beber todas as minhas cervejas para que cada gole me leve cada vez mais distante de ti. E eu não me importo de me maltratar um pouco mais para te esquecer um pouco mais. Esse é meu próprio castigo por ter te deixado ir e ter mantido essa saudade dentro de mim.
E eu me machuco. Me sequestro. Me enlouqueço. Me esqueço. E escrevo. Escrevo muito. Mas muito mesmo. Duas. Três. Quatro. Cinco cartas em apenas uma madrugada. E bêbado eu sou muito mais capaz de lembrar de você do que sóbrio. E tu nunca se importou com o meu jeito bêbado de ser, tu dizia que já tinha se acostumado com meus lábios com gosto de cerveja e eu sempre sorria quando me dizia isso. E eu sempre senti vontade de te trazer para perto de mim e te dizer que sempre serás a mulher de minha vida. Quando foi que eu me esqueci dessa merda?

- Você ainda escreve essas merdas?
- Todos os dias!
- E o que isso te traz de bom, querido?
- Um pouco de paz.
- Isso não significa nada. O que esperas?
- Que eu a assassine cada vez mais de dentro de mim.
- O que sentes quando lembra do nome dela?
- Tremores. E falta. E vontade de beber.
- E o que sentes agora que lembraste o nome dela?
- Vontade de beber.
- E os tremores?
- Já sei lidar com eles.
- E a falta?
- Persistente, mas já sei lidar com ela. Ela me bate e eu a espanco e chuto-a pelo cu.
- Mas essa vontade de beber é mais perigosa que todos os outros sintomas.
- Não, meu bem, o amor é o sintoma mais perigoso do que qualquer outro.
- E o que fez com ele?
- ESTÁS DE BRINCADEIRA, PORRA??? Eu matei essa merda faz um belo tempo.
- FODA-SE O AMOR, QUERIDO!
- FODA-SE O AMOR, PORRA!

Eu gostaria de escrever algumas palavras bonitas e dizer que tudo isso é para alguém, mas...estou bêbado o suficiente para admitir nesta droga de carta.
Obrigado. E foda-se!
Ficou com cara de merda esperando um final revoltante feliz? Se fodeu!

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