quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Porra, meu bem, poesia é tão démodé!

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- Você disse que ia se cuidar, caralho!!!
- Mas eu estou me cuidando, querida.
- Enchendo o cu de cerveja e fumando que nem um filho da puta???
- Só algumas cervejas e alguns tragos, querida.
- Você já está bêbado, seu filho da puta. E mal te enxergo através dessa cortina de fumaça que te cobre os pulmões.
- Confie em mim, querida. Confie em mim.
- Eu não confio em você quando se trata de álcool, seu filho da puta. Você precisa se cuidar.
- Estou me cuidando, meu bem. Estou me cuidando. Pode me trazer uma cerveja?
- Você não tem mais jeito, porra.

E as paranoias me consomem. O álcool me consome. O amor me consome. A poesia me consome. E eu escrevo. E escrevo. E escrevo. E tento me cuidar, mas não tem mais jeito. E os tragos me consomem. E o blues me consome. E eu me encontro perdido novamente. E a gente espera algo do amor. A gente espera um amor. A gente espera uma saída. E a gente encontra. E a gente se entrega. E a gente se apega. E a gente acredita que aquele é o seu final feliz. Mas a gente emburrece. E ficamos cegos. E a gente acredita que qualquer amor que caía sobre nós por acidente é o que nos salvará de nós mesmos. E a gente sorri. E a gente se arruma. E a gente melhora. E a gente se sente bem. E a gente anda pelas esquinas como se tivéssemos encontrado o amor de nossas vidas. E a gente acredita nisso. E a gente espera. Espera até demais. E acredita. Acredita até demais. E se perde. E nos damos conta que esquecemos nossa bussola no bolso de alguma jaqueta surrada no canto de nosso quarto. E a gente se perde e mesmo assim continua caminhando de frente com uma tragédia anunciada. E a gente surta, mas a gente não demonstra. E a gente continua acreditando que o amor nos tirou de casa para nos salvar. E a gente não ouve sua risada maliciosa ao fundo de nossas orelhas. E a gente caminha acreditando que estamos amando e que todos os nossos acidentes passados nos mostraram algo bom o suficiente para nos fazer crescer. E a gente vai. A gente segue em frente. Em frente. Em frente. Sempre em frente. Correndo riscos. Sabendo dos riscos. E sempre em frente. Sorrindo. Sentindo. Pensando. Gostando. Amando. E então...a gente colide. Acidente. Trágico. Sofrimento. Lamúrias. Tristezas. E trágico, mais uma vez. E o a gente não é mais a gente!

Ela me ligou...

- Queria te encontrar.
- Para quê, meu bem?
- Para te dizer que estou com saudades. E dizer que já não te sinto tão bem quanto umas semanas atrás.
- E eu gostaria de me sentir bem como há semanas atrás.
- Tu voltastes a escrever. Isso não me deixa tranquila.
- O que queres dizer com isso?
- Você nunca está bem quando escreves demais. E quando bebe demais. E sozinho. Sozinho. Sempre sozinho.
- Cansei de me sentir sozinho, querida.
- Você não está sozinho.
- Mesmo rodeado de gente, sempre estou sozinho. Aqui dentro. Sozinho. Sozinho.
- Sei que não estas bem.

Talvez eu não seja a pessoa certa para amar. Eu penso demais. Eu sinto demais. Eu crio demais. Eu escrevo demais. E eu amo demais. E eu olho para todos os cantos do meu quarto e penso em escrever sobre o que estou sentindo. E se te tenho aqui em meus braços, penso em te escrever logo que vais embora. E se eu não te tenho aqui comigo, penso em te escrever para pedir que volte. E eu olho para qualquer coisa que passe por minha visão míope e crio uma carta que seja feita por meus sentimentos para você. Arrumo minha cama e penso o quanto queria você aqui para bagunça-la comigo. Tomo meu banho e penso no quanto te queria comigo. Me seco pensando no quanto queria estar te olhando de perto passando a toalha por teu corpo e pensar que essa é a visão mais maravilhosa do mundo. Me visto pensando que eu queria você aqui para tirar minha roupa e me mostrar que o mundo lá fora não importa. Volto para o banheiro, penteio minha barba com o pensamento de que você poderia estar bagunçando ela com teus beijos. Volto para o quarto e procuro o relógio que combina com a minha roupa pensando no tempo que falta para o tempo me colocar de volta com o teu olhar. E esse tempo me assusta pois a saudade me assusta. E o tempo me assusta por mostrar que o tempo não foi forte o suficiente para me tornar forte o suficiente para te esquecer. Acaricio o meu cachorro que não late em vão e penso que eu, você e ele seríamos uma família. Pequena família. Meu mundo. E desço para comer alguma coisa, procuro alguma coisa na geladeira, nos armários, nas gavetas. Encontro algo para comer antes de partir e me alimento. Mastigo algo com o pensamento de que poderíamos estar planejando o que jantaríamos juntos, você riria da minha cara por lembrar que não sei cozinhar nada, mas nada bem. E pediria para deixar em tuas mãos. E eu não lutaria contra isso. Te diria que sim com um sorriso no rosto e te beijaria logo em seguida.
Acendo o fogo. Coloco o bule em cima da boca do fogão. Espero ficar quente. Esquentou. Coloco meu café requentado em uma xícara branca qualquer. Esquentei demais. E lembro que isso tem sido uma das poucas coisas que têm me esquentado por dentro. O café está bom. Requentado, mas bom. Minha cabeça dói levemente pela ressaca de ter bebido algumas cervejas na noite passada para te esquecer. E eu lembro que não lembro se você gosta de café.
A gente não é mais a gente.

- Querido, tens reparado que as tuas cartas não estão fazendo muito sentido ultimamente.
- E quem se importa?
- Ora, veja bem, eu me importo.
- Porque?
- Tuas cartas são como blues, tristes, mas não fazem sentido.
- Porque eu me importaria com isso, meu bem?
- Você não se importa com o que as pessoas pensam dos teus textos?
- Nunca me importei com isto.
- E mesmo assim elas te acham grande coisa. E mesmo assim essas pessoas acham que você é um puta escritor.
- Eu nunca me achei lá grande coisa, meu bem.
- Mas você precisa entender que as pessoas caem de encontro com tuas cartas e elas são capazes de ler tuas porcarias.
- E quando elas serão capazes de me entender?
- Elas te entendem, querido.
- Não. Elas não me entendem. Todas as minhas cartas existem um pedido muito grande de socorro e ninguém nunca da a mínima. Todas elas acreditam que é sobre amor e romance e saudade.
- E não são?!
- Bem, talvez. Mas o ápice de minha tristeza é o longo período de solidão. E eu me sinto sempre tão só, meu bem.
- Poesia é tão chato, querido.
- Porque pensas isso?
- Porque elas nunca terminam com um sentido concreto. A gente sempre tem que ficar pensando e pensando e pensando e nunca chega a conclusão nenhuma.
- Eu amo poesia, meu bem.
- Eu sei que ama. E por falar nisso, querido, a última que escreveu ficou muito boa.
- Oh, obrigado, meu bem.

Démodé é acreditar que o amor irá pulsar em meu peito novamente.

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