segunda-feira, 25 de março de 2019

Tua voz é a morfina que tenho pavor de tomar

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Madrugada fria. Telefone toca. Depois de tomar algumas cervejas, perco o temor dentro de mim em ter que atender ligações.
Atendi.

- Olá.
- Oi. Ah, é você, querida. Diga o que queres no meio de minha insônia.
- Senti um aperto em meu peito. Queria saber como está. Tudo bem?
- Ah, querida, na medida do possível. Vivendo da maneira que posso. Escrevendo sempre que posso. Bebendo sempre que preciso.
- E a vida, como ela se encontra?
- Mais perdida que todas as cartas minhas. Tens visto alguma delas?
- Vez ou outra. Tudo que escreve me deixa tão para baixo.
- Eu queria ser alguém melhor, meu bem. Gostaria de escrever coisas mais felizes que me levassem para algum lugar. Queria mesmo que não me enxergassem como o triste que realmente sou. Gostaria de colocar uma máscara e fingir todas aquelas coisas que todos eles conseguem fingir. Sentimentos. Amores. Paixões. Prazeres. Futilidades. Vazios. Tudo tão vazio, meu amor. Tudo tão raso. Tudo tão sem nada. Você se apaixona hoje e amanhã é facilmente descartado. Tu escreve uma carta romântica hoje e amanhã já nem se importam mais. Gostaria de enxergar a profundidade da alma de todas essas pessoas a ponto de entender a maneira que levam elas a não se importarem com nada. E eu sofro, querida. Sofro. E gostaria de não sair deste meu quarto tão vazio de mim, mas tão cheio de meus próprios sentimentos e pensamentos. E eu gostaria, meu bem, gostaria de ser lembrado pelas coisas tristes que ousei escrever um dia sempre pensando em outro alguém.
- Outro alguém que mal se importa com as coisas que escreve?
- Exato, querida. Outro alguém que não da a mínima para todas as coisas sinceras que escrevo. Se as pessoas não dão a mínima para sinceridade de sentimentos sentidos por nós mesmos, o que elas serão capazes de se importarem? Eu sou apenas a porra do ser humano que bebe e escreve cartas e poemas e poesias tristes pra caralho. Nada mais que isso.
- Meu bem, tens bebido bastante esses dias?
- Sempre que penso nela, querida. Sempre.
- Isso é perigoso, querido.
- Eu sei que é. Mais perigoso ainda é amar quem não dá a mínima para o que sentes. Mas desta droga chamada de amor eu já não tomo mais. Fui reabilitado. Me encontraram na pior sarjeta em que um ser humano como eu poderia estar, e eu lutei, relutei, me entreguei, me reergui, levantei, tive forças para escrever uma dúzia de cartas que ninguém nunca lerá. E me vacinei. Me vacinei relativamente com o amor do meu próprio amor de um amor que não quero entregar para amores nenhum.
- Beba menos, querido. Só um pouco menos. Sempre que te ligo, tu estas acordado na madrugada escrevendo e bebendo e sofrendo e sentindo. Me preocupo com você.
- Eu sei, meu bem. Eu sei.
- E teu romance?
- Eu quis algo mais sério. Sabes como sou. Entro em um romance e acredito que será tudo para mim. Reciprocidade e essa merda toda.
- E ela?
- Fugiu. Está por ai, mas sempre fugindo. Se esquivando. Se tornando inexistente aos meus olhares.
- E o que você queria?
- Eu queria algo a mais. Ser importante para alguém. Ser lembrado ao amanhecer. Não ser esquecido antes dela dormir. Gostaria de criar e inventar história juntos. Amores. Romances. Momentos. Restaurantes. Cinemas. Abraços. Beijos. Momentos em que fizesse o meu coração disparar como nunca disparou antes. Um amor que me fizesse perder o fôlego tanto quanto a ansiedade me tira os ares. Domingos sem fazer absolutamente nada, mas juntos. Entende, meu bem? Entende? Gostaria de juntar nossos cachorros. Planejar um futuro mesmo sem saber se o futuro ainda existe. Gostaria de não fazer nada, mas olhar para o lado e ver que tenho meu mundo em minhas mãos e meu coração nas mãos do meu mundo. Sinto falta dos sorrisos sinceros. Sinto falta dos beijos sinceros. Não beijos de uma noite qualquer. Não amores de uma noite qualquer e nada mais. Nunca fui desses. Nunca fui de amores vazios. Abraços vazios. Sexo vazio. Nunca fui de futilidades. Nunca fui de gostar pouco ou mais ou menos. Ou gosto muito ou não gosto nada. Esse é o meu problema.
- Quais os seus planos?
- Beber menos por saber que existe alguém que me ama de verdade, querida. Fumar menos por não ter ansiedade em pensar que nunca encontrarei uma droga sequer de amor. E sentir menos fraquezas de meus fracassos amorosos. Estou perto dos trinta, meu bem. Querendo ou não, tu começas a planejar certas coisas. Filhos. Casa. Amores. Domingos. Finais de semana. Mãos dadas. Almoços. Sorrisos. Alguém para tu amar e te amar. E isso me falta. Tenho tudo. Hoje posso dizer que tenho tudo. Tudo que sempre quis, da maneira que quis, e como sempre quis. Trabalho que amo. Família que amo. Amigos que amo. Dinheiro que não amo, mas sempre em meu bolso. Dinheiro suficiente para pagar tudo que devo pagar e ainda sim pagar todas as cervejas que posso e beber noite após noite. Mas, amor, cadê o amor no meio disso tudo?
- Você acha importante alguém para amar?
- Acho importante alguém para me amar. Acho importante acreditar na existência de um ser humano capaz de suportar todas as minhas paranoias e manias e defeitos e surtos e cervejas e poemas e poesias e loucuras e ainda sim continuar me amando. Acho importante alguém me entender da maneira que sou. Me olhar com a barba bagunçada, cabelo desarrumado, músicas tristes e cheio de teorias sobre universos e expansões de consciência e ainda sim continuar me amando. Que ature meus lábios com gosto de cerveja ou café. Que ature me ver de costas escrevendo minhas besteiras e me espere terminar, e que leia logo em seguida, e que goste. E que me abrace por trás e diga que sou incrível, mesmo que eu saiba que não sou absolutamente nada disso.
- Estas falando bastante hoje, não é? Logo você que odeia telefones.
- Estou bêbado, querida. Bêbados sempre falam tudo que querem. Isso é uma droga.
- Já falei para beber menos, meu bem. Isso vai acabar com você.
- Já me falaram para escrever menos também, disseram que isso irá me matar. Me matar de vergonha por eu ter tanta coragem em escrever tudo que ouse sentir aqui dentro. E escrever tudo que ouso pensar nessa mente tão perturbada quanto o mundo.
- Querido, tua mente é uma loucura. Você nunca para de pensar. Sempre pensando, pensando, escrevendo, bebendo, e pensando, pensando. Sua mente é uma fábrica sem fim de pensamentos e teorias e loucuras e amores e paixões e surtos e paranoias. Meu bem, você um dia irá enlouquecer.
- Por isso meus amores sempre partem. Elas enlouquecem antes de mim. E eu permaneço aqui da forma como deveria me manter, em sã consciência de toda minha insanidade perdida em romances sem um futuro promissor.
- Estas amando, querido?
- Meu coração está batendo um pouco mais forte do que deveria. Isso não é um bom sinal.
- Porque não é um bom sinal?
- Porque sempre que me senti assim ao lembrar de um nome, me afundei no pior dos abismos contidos dentro de mim.
- O que quer dizer com isso?
- Se eu lembro o nome dela, meu coração dispara. E eu desço até o mercado. Compro cervejas. E tragos. E escrevo. Isso não é um bom sinal. Essa garota está me deixando louco. E eu odeio me sentir assim. E eu sinto falta dela. Sinto falta daquele olhar. Sinto falta daquele sorriso. Sinto falta daquela sensação que sinto com ela ao meu lado.
- Querido, liga para ela.
- Eu tenho pavor de telefones. Odeio telefones. E você sabe disso.
- Beba mais uma cerveja, meu bem.
- Você não disse para eu parar de beber?
- É para um bem maior. Beba mais uma. Ligue para ela. Diga o que sente e como se sente. Você merece ser feliz, meu bem, meu bem.
- Querida, não gosto de estar nas mãos das pessoas. Muito menos ser descartável. Não gosto que me comparem com um passatempo. E que me esqueçam quando quiserem. E que lembrem de mim quando precisam. Quero ser um amor. Quero ser único, mesmo que eu saiba que ninguém é de ninguém. Mas quero ser o mundo de alguém. Egoísmo? Talvez. Escrotice? Talvez. Loucura? Claro. Mas não quero ser esquecimento ou uma droga que usam e jogam fora e compram quando precisa usar de novo por uma diversão passageira. Quero ser tudo. O todo. Quero ser sorrisos. Amores. Paixões. Quem sabe um vício. Mas um vício bom, aquele que te acalma e te entrega algo libertador. Não quero prender ninguém, mas quero saber que sou a libertação de outro alguém.
- Liga para ela, meu bem. Liga. Se ela não te amar como pensas, ela vai embora e tu deixarás, e permanecerá exatamente onde estas.
- Mas sozinho. Você tem razão. Obrigado, querida.

Desliguei o telefone. Desci para pegar mais uma cerveja. E bebi. Uma. Duas. Três. Escrevi mais umas três ou quatro cartas.

E não fiz o que tinha que fazer. A ligação. Mas fiquei esperando o telefone tocar na esperança de que fosse você. Eu sempre espero essa ligação. E o telefone não toca. E não me importo. E finjo não me importar. Que se foda. Que se foda, amor, que se foda! Viva tua vida como tens feito e eu, meu bem, jogo essa besteira toda fora até você ligar me dizendo que vai ficar, mas sei que isso não irá acontecer. Que se foda amor!

Joguei o amor no lixo, mais uma vez, antes que ele me jogue fora.

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