quarta-feira, 29 de julho de 2020

(Des)Romance (Eu não sei ficar só)

As últimas palavras de Bukowski: 'Don't try' – Comunidade Cultura ...
Diálogo 1.

- Esperei, a semana toda, você me ligar para dizer que precisava ouvir minha voz para seguir em frente.
- Eu precisava ouvir tua voz.
- Lembra quando a vida era novidade?
- Já não sei mais o que é isso.
- Tuas coisas estão todas aqui, vens buscar?
- Não sei se devo.
- Também penso assim. Eu não mexi em nada. Está tudo muito arrumado, eu sei que você odeia organização demais. 
- Tu sempre sabes das nossas coisas.
- Fiquei na esperança de que viesse desarrumar tudo, como sempre tens feito.
- Não sei se posso.
- A gente esqueceu de amar.
- A gente esqueceu coisas demais.

E eu te escrevo esta carta por todas as vezes em que senti vontade de te contar uma novidade.
Por todas as vezes que chorei em silêncio longe dos teus braços.
E todas aquelas em que gritei calado para que viesse me visitar.
Eu sinto falta do apego.
Falta do abrigo.
Falta do apreço.
Falta do berço que encontrava em teu olhar.
Sinto falta de sentir demais e te pedir para ficar.
Mas, pedir para tu ficar é muito mais difícil do que não te deixar entrar em minha vida nunca mais.
Eu não quero passar por isso novamente.
Eu não quero chorar por pouco e sofrer por muito.
Não quero o coração acelerado.
Nem o estômago embrulhado.
Nem as flores no dia dos namorados.
Nem as brigas mais bestas e intrigas baratas que todos os romances exalam pelas manhãs de domingo.
Não quero ter que conhecer teus pais.
E sentir que eles me odeiam.
Não quero conhecer teus amigos.
E sentir que eles me suportam.
Não quero te entregar todos os meus defeitos.
Todos os meus erros.
E falhas.
Eu escondo muito mal todos eles.
Não quero demonstrar as minhas crises de ansiedade.
As minhas tristezas na depressão.
E as bebedeiras quando me sinto completamente impotente.
Não quero fazer tu sentir o cheiro dos meus tragos.
Não quero dormir agarrado em teus braços sentindo o cheiro da tua nuca quente e suspirar o quanto te amo e o quanto amo cada traço de perfume e desenho teu.
Nem quero que me veja com a barba bagunçada numa terça-feira a tarde logo depois que a gente acordar de um cochilo.
Não quero te pedir para esperar um pouco por eu estar sempre atrasado.
Não quero sorrir te vendo vir para o meu carro.
Ver você entrar.
E sorrir mais ainda quando o teu cheiro subir por todos os cantos do veículo.
Não quero saber como foi o seu dia.
Nem falar como foi o meu dia.
Muito menos suspirar de ver você contando cada detalhe de como tudo nele se passou.
Não quero ouvir tua voz cansada.
Não quero te entregar os melhores poemas quando a vida me mostrar o que de melhor eu recebi dela.
Também não quero escrever os piores e mais ridículos poemas quando a vida também nos mostrar que somos cheios de defeitos mesquinhos que fazem a gente se odiar por alguns momentos.
Não quero te pedir perdão quando eu errar.
Nem demonstrar orgulho quando eu estiver certo.
Não quero planejar um futuro ao teu lado. Muito menos demonstrar que nada enxergo quando as crises começam a tomar conta da minha mente.
Eu não quero chorar na tua frente quando todos os meus medos e demônios baterem a minha porta.
Não quero botecos aos sábados a noite em que a gente se empapuça de cerveja e se entope de batatas fritas e besteiras que conversamos que nos fazem dar risada, acreditando que aquele momento é só nosso e de mais ninguém.
Também não quero almoço aos domingos.
De ressaca.
E sorrindo.
Não quero ir embora da tua casa domingo a noite.
Não quero a distância de ti.
Sem saber quando nossos olhos irão se encontrar de novo.
Não quero ouvir todas aquelas músicas românticas que me lembram de ti a todo custo.
Não quero me apaixonar por você e acreditar que és a pessoa da minha vida.

Eu não sei te amar.

Essa é por todas as vezes em que eu quis te contar uma novidade.
Em que eu lembrei de você nas madrugadas confusas do meu quarto.
Essa é por todas as vezes em que eu lembrei de ti quando vi algo que sabia que tu iria gostar.
E iria sorrir.
E por todas aquelas vezes em que me senti inseguro e perdido e sozinho e já não podia mais estender as mãos para você puxar.
Essa é por todas as vezes em que eu supliquei pelo amor sem nem saber onde procura-lo.
Onde foi que eu perdi essa porcaria?
E por todas as vezes em que eu me embebedei pensando que te esqueceria como num passe de mágica.
Essa é por todas as vezes em que eu lembrei que poderia te esquecer.
Mas que lembrei de você na manhã seguinte.
E do toque dos teus lábios e aperto macio de suas mãos. 
Essa é por todas as vezes em que te escrevi e esperei uma resposta.
Por todas as vezes em que eu te liguei e só deu caixa postal.
Essa também é por todas as vezes em que precisava ouvir tua voz e saber como você estava, mas não tive coragem de discar teu número.
Eu nem lembro mais como se faz uma ligação.
Essa é por todas as vezes em que eu senti a vida escorrendo pelas minhas mãos e te vi partindo dela.
Por todas as vezes em que meus piores pensamentos me levaram para fins que eu mesmo criei aqui dentro, que me fizeram sentir vontade de te ouvir uma última vez.
Essa é por todas as músicas que te dediquei.
Por todos os filmes que por ti chorei.
E por todas as frases bonitas que um dia te sussurrei. 
Amar é um fardo que eu não posso carregar.
Que eu não sei carregar.
E eu não vejo mal nenhum nisso.
Eu não sei ficar só.
E eu sinto falta de ter tua companhia aqui aos domingos solitários e vazios.
E nas noites mais frias, é de ti que eu lembro.
É angustiante olhar o teu lado frio e esquecido da cama.

Mas foram tantas e tantas vezes que eu esperei alguma novidade tua e não tive nada.
Foram tantas e tantas vezes que eu vi o céu desabando.
Tudo naufragando.
E eu fiquei à deriva esperando você me estender a mão para me salvar.
Foi assim que eu aprendi, mesmo com a minha visão míope, a caminhar com minhas próprias pernas e esquecer do amor.
E foi ali, no cais dos sentimentos, que eu joguei tudo de bom, que ousei sentir um dia, aos sete mares, como uma moeda da sorte. E fiz o pedido para que eu permaneça sempre assim, em pé. Sem ti.

E senti.

E eu sinto tua falta todas as manhãs. Sinto tua necessidade todas as noites. Mas tu nunca estas aqui, amor. 

Diálogo 2.

- Quando foi que a gente deixou de entender as coisas?
- Quando foi?
- Quando foi que tu passaste a não escrever mais sobre amor?
- Quando foi, meu bem?
- Quando foi que tu deixaste de amar, querido?
- Quando foi, meu bem? Não sei bem.
- Quando foi que passou a sentir pavor das coisas e das pessoas?
- Quando foi, meu anjo? 
- Tu se sentes bem se acabando sozinho desse jeito? Fumando? Bebendo? Se acabando em comprimidos e não partilhando nada dos teus sentimentos com ninguém? Tu se sentes bem morrendo aos poucos desse jeito?
- É errado, querida?
- Digo, onde foi que tu deixaste aquela essência de escritor romântico? 
- Onde foi, meu bem? Onde foi?
- Vais morrer sozinho, querido.
- Todos nós vamos, meu bem. Tu falaste de todas as coisas que me fazem mal e trata o amor como a cura para tudo isso, sendo que foi o amor que desencadeou cada um desses meus defeitos e falhas. Eu fumo para engolir o amargo dos romances. Eu bebo por conta da saudade. Eu me acabo em comprimidos para ver se eu me sinto bem comigo novamente, tal como eu me sentia ao lado de outro alguém. E eu partilho meus sentimentos em minhas cartas. Isso já basta. 
- Mas assim, nunca serás famoso. É o que queres?
- E isso já basta, meu bem. Não vejo graça nenhuma na fama. Claro, eu poderia acordar todos os dias ao meio dia, depois de uma noite de bebedeiras. Estaria com uma puta ressaca. Escovaria os meus dentes. Tomaria o meu café. Faria carinho no meu cachorro e lembraria que preciso escrever algumas novas cartas porque tal editor precisa de toda aquela porcaria para o próximo edital. Mas e ai? Qual é a graça?
Eu entraria nas minhas redes sociais e estaria repleto de mensagens de fãs absurdas acreditando que sou um puta escritor, sendo que sou apenas um escritor de meia tigela expressando alguns sentimentos que, depois da fama, não seriam mais reais. E ai, meu bem? Qual é a graça?
- Pelo menos seria rico, querido.
- E acordaria ao meio dia, mas e ai? Qual é a graça?
- Tu tens muito medo de amar, não é?
- Eu te pago 180 reais a hora para você descobrir isso no final da sessão, caralho?
- Está no fundo dos teus olhos, meu bem. Bem no fundo.

Quando foi que a vida se tornou tão chata sem nada de extraordinário?!

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