terça-feira, 14 de abril de 2020

Tem alguém que sente tua falta por aí... (essa ainda não é uma história romântica)

Je ne l'ai jamais vu bourré » : un entretien avec l'éditeur de ...


- Meu bem, você dormiu para esquecer teu amor?
- Não, querida, dormi porque não consigo escrever quando ainda está claro.
- Como assim, meu bem?
- Alguma coisa sobre a lua em cima da minha cabeça, as coisas funcionam melhores. Alguma porcaria dessas.
- Meu bem. Meu bem. Não há mal nenhum em se apaixonar, meu bem.
- Tu romantiza muito as tuas coisas, meu bem.
- E tu problematiza muito todas as tuas coisas, querido.
- Preciso de uma cerveja.
- Venha, vamos buscar e conversar sobre todas essas coisas. Temos tempo.

meu amor,
coração está pequeno como o de uma flor
mas só no tamanho
porque eu sinto ele imenso de sentimentos que mal consigo escrever
e eu queria te contar sobre todos os meus clichês
clichês de coração pequeno
que se encontra grande
no corpo de gente grande
e talvez, tu não me entendas
e talvez esta carta mal tenha pontos certos nos lugares exatos
mas sei que algum clichê vai entrar no teu coração
e irás pensar na falta
falta de ti
falta de mim
falta de nós
falta deles
falta de abraços
falta de beijos
falta de sexo
e de desejos
falta de carinhos
falta de sorrisos
falta até dos choros
falta.
E eu quero que saiba sobre a falta que me faz.

Meu amor,
eu tentei fugir de todos os clichês enquanto tenho estado nessa ressaca passageira do mundo.
Mas não fui capaz de fugir de todos eles.
Eu disse para mim mesmo que não sentiria tua falta, e talvez tu pense que eu sinta tua falta.
E eu não sinto.
Eu disse para mim mesmo que não beberia tanto, mas perdi a conta de quantas garrafas de cerveja eu esvaziei quando comecei a me dar conta da tua falta.
Eu chorei na sacada da minha casa olhando o nascer do sol.
Eu abracei o meu cachorro e disse que jamais iríamos ficar longe um do outro.
Eu fechei os olhos e ergui a cabeça para o céu pensando que tudo não passa de um engano.
Que amanhã tudo estará bem.
E eu disse para mim mesmo que não iria escrever estando nesse repouso mundial, mas dei por mim e percebi que escrevi trinta e sete cartas em apenas duas semanas. E isso é demais até para mim.
Eu tirei fotos de flores.
Eu limpei meu quarto.
Eu baguncei o meu quarto.
Eu joguei fora as garrafas vazias.
Eu bebi mais.
E deixei todas as garrafas vazias novas nos mesmos lugares que as antigas.
Eu assisti filmes de terror. E me assustei.
Outros achei uma bosta.
Eu assisti filmes românticos. E me apaixonei.
Também chorei. Mesmo sendo clichê demais.
Outros eu achei uma porcaria.
Eu respirei fundo quando o meu peito tava pequenininho e apertado.
Eu chorei no banho para aliviar o aperto aqui dentro.
E eu fui dormir de tanto chorar.
Acordei com os olhos inchados e sorri com o pensamento de "Foi apenas mais uma crise boba".
Voltei para a sacada e me emocionei com o canto dos pássaros.
Lembrei de todas as pessoas perdidas e doentes pelo mundo.
Deixei a emoção tomar conta de mim e derramei algumas lágrimas.
E pensei em beber mais algumas cervejas, mas eu tinha acabado de acordar, então esquentei a água para mais um chá.
Empapucei o estômago com todas aquelas besteiras comestíveis.
Aplaudi o pôr do sol. Meu Deus, isso é MUITO clichê.
Mas nada tão clichê quanto sentir o coração apertadinho ao lembrar de um nome.
Nada tão bobo quanto o coração sufocado ao pensar em um sorriso. E essa carência repentina me incomoda porque eu nunca sei quando ela irá passar.
Não são os clichês que são os grandes problemas da humanidade. A gente comete todos eles, mas a gente se sente bem. Os clichês nos fazem bem e a gente precisa deles para se sentir vivos. O grande problema em todos nós é entrar num jogo romântico sem ao menos ter a intenção de amar. E eu já não tenho mais idade para isso.
Sou esse jovem idoso que não ama, não por medo de me apaixonar, e sim por não ter a mentalidade e moral de entrar em jogos que não foram feitos para mim. Acredito que romances não sejam isso. Acredito que o amor não seja brincadeiras tristes ou saudáveis para ver quem ama mais. Isso não existe. Isso não é amor. Isso não é romance. É apenas um jogo de egos no qual não quero e não gostaria de participar.
Mas, veja bem, meu bem, existe alguém lá fora que sente a tua falta.

- Romantizar tudo é um grande problema, querida.
- Problematizar tudo é um grande romance, meu bem.
- Romances são sempre um problema.
- Porque você insiste em dizer isso, meu bem?
- A gente não vai chegar num consenso nunca, não é mesmo?

meu amor,
Acordei tão mal que se eu pudesse sair para o mundo, não saberia para onde ir.
E eu gostaria de te dizer que vai ficar tudo bem.
Gostaria de te pedir para esperar um pouquinho as portas do mundo se abrirem.
Gostaria de te escrever poemas como os quais Cazuza escrevia.
Mas não sei se te amo tanto assim a ponto de te escrever histórias incríveis.
Eu perdi o meu amor por um canto qualquer no mundo e não vejo mais sentido em fazê-lo entrar por minha porta.
E eu cheguei tão perto, mas tão perto de deixar esse mesmo amor entrar em minha casa, que um sorriso se pôs em meu rosto quando resolvi te conhecer melhor.
A gente não ama as pessoas, meu bem. A gente ama a forma com que elas fazem a gente se sentir. E percebas que aquela frase que diz que o "Amor não é egoísta" é a forma mais branda de ver a necessidade da burrice humana caindo sobre todos nós. E eu não me importo em amar. Veja, bem, meu bem, eu não odeio o amor, eu apenas odeio a forma com que as pessoas dizem nos amar, sendo que no coração delas o amor é só uma brincadeira para os teus egos serem inflados em cima de uma pessoa que elas mal conhecem. E isso me frustra. O amor perfeito que o Cazuza lapidava em tuas letras não existe. Amar as pessoas como se não existisse o amanhã como Renato Russo dizia está fora de cogitação. Mas porque a gente insiste em se apaixonar por pessoas com mais problemas que os nossos? Porque a gente está tão perdido quanto todas essas pessoas. E, veja bem, meu bem, quando a gente se apaixona, quando a gente pensa que está amando, não é pelo fato da pessoa ser aquele alguém em nossas vidas, é pela forma com que ela faz a gente se sentir até que a gente perceba que não precisa mais dela.
E eu disse que não te ligaria. E te liguei.
Eu disse que não te escreveria. E te escrevi.
Eu disse que em ti não pensaria. E penso a todo instante.
E eu disse que não esperaria algo de ti na madrugada. E eu sempre espero.
Não espere algo de alguém que está bem sem você. Jamais esqueça que as pessoas só te procuram pelo fato delas se sentirem bem e não para te fazerem bem.
É triste ler palavras como essas, não é mesmo?
Neste exato momento tu pensaste em alguém que faz você se sentir exatamente assim. E eu sei o quanto dói ter o coração dilacerado pelo nosso próprio amor. Mas não existe problema nisso, fomos feitos para viver esse tipo de coisas. E não há problema em se apaixonar. Não existe problema nenhum em se entregar para outro alguém. Não tem problema tu escrever, tu ligar, tu ir atrás. Não, não há. Liga. Busca. Fala. Sente. Ouve. Chora. Implora. Entrega o teu melhor. E quando eu digo "O teu melhor", eu falo O TEU MELHOR, não os teus clichês. Não o que tu acha que deveria guardar. Não guarde nada. Entrega. Seja sincero. Abrace. E ame tudo aquilo que estas abraçando. No fim, sempre existirá um fim, tu fez tudo que deveria fazer exatamente onde e com quem tu deveria fazer. E não há mal nenhum em se entregar.
O mal de nossos corações está onde a gente deixa o orgulho falar mais alto sem ao menos vivenciar um momento que poderá ser único.
Ligue.
Fale.
Abrace.
Escute.
Escreva.
E ame.
E se deres errado, tu verás que fez tudo que tinha para fazer. E não há mal nenhum em errar quando achamos que estamos fazendo tudo certo. Nosso erro é não tentar. Nosso erro é se apaixonar e se calar. Nosso erro é não acreditar que aquela, exatamente aquela, pode ser a pessoa que sentirá tua falta quando não puderes mais olhar para ela e abraça-la por tempo indeterminado ou para sempre.
O que tu cativas dentro das pessoas que tu ama é o que deixarás na terra.
Veja bem, meu bem, lembrou de alguém que sentes tua falta?

- Tu tens ficado cada dia mais quieto nesses dias loucos, querido.
- Estou pensante. Nada mais que isso.
- Tens sentido falta de alguém, meu bem?
- Não sei se é falta, querida, mas todos os dias o coração aperta tanto.
- Tens sentido ele pequenininho?
- Tanto.

E o que a gente faz quando o coração aperta?
E o que a gente faz quando murros de desespero na parede não te aliviam a alma?
E o que a gente faz quando beber já não traz a solução?
E o que a gente faz quando o choro é mais apertado que o peito?
E o que a gente faz quando o grito já não sai de dentro?
E o que a gente faz quando o silêncio dói os ouvidos?
E o que a gente faz quando as palavras já não fazem sentido?
E o que a gente faz quando a solidão já não te traz paz?
E o que a gente faz quando o sono implica em sonhos dos quais não queríamos sonhar?
E o que a gente faz quando as mãos tremem tanto que mal consegues sair do lugar?
E o que a gente faz quando os olhos ecoam tudo aquilo que queríamos esquecer?
E o que a gente faz quando nos sentimos o tempo todo sozinhos?
E o que a gente faz quando a gente não lembra de quem pode sentir tua falta?
Eu já não sei.
Por isso te peço, leia esta carta, mas não siga os passos meus.
Leia estas palavras, entenda-as, sinta-as, mas não siga tudo que eu quis te dizer.
Verás que estou tão perdido quanto você.
E verás que o amor é o único caminho que poderemos seguir para que alguma salvação ainda exista.
Eu apenas, das trinta e sete cartas que escrevi, escolhi essa para dizer que não me sinto bem ao lembrar que não lembro de ninguém ao ver filmes românticos passando na TV. Eu sei a falta que faz todos aqueles sentimentos, mas eu sei que aquele alguém perfeito que todos lapidam está longe demais de chegar ao meu coração que já não sabe mais o que quer, como quer e quem quer.
Eu lapidei o amor do meu jeito e vejo que esse molde está longe demais de ser quebrado por alguém que sabe o que quer tão bem quanto eu. E eu acreditei que sabia amar, quando na verdade, eu não sabia absolutamente nada do que estava fazendo.
E eu acreditei que amava quando pegava o telefone na madrugada e digitava um número para dizer que sentia tua falta.
Passaram-se anos desde a última vez que fiz isso. E não me importo em sentir essa falta. Eu me importo de sentir falta de como eu me sentia naquela época em que eu acreditava que o amor verdadeiro tinha sido escrito para mim.
Soa egoísta?
Com certeza, mas sabe porque, meu bem?
O amor é egoísta e todos sabemos disso. A gente só finge não saber porque sabemos que, além de egoísta, o amor é o sentimento mais lindo que existe na face da terra.
Deixa eu escrever isso mais uma vez, a gente sente falta de como a pessoa fazia a gente se sentir antes mesmo dela ir embora. Se tu parar para pensar e chegar a conclusão de que sente falta de como a pessoa fazia VOCÊ se sentir, tu não amava ela de verdade, você se amava porque ela fazia tu se sentir bem.
Agora, veja bem, meu bem, se tu sente falta da pessoa por completo mesmo quando tu se sentia mal por ela estar mal pelas milhares de situações que o mundo nos coloca a prova, tu amava de verdade e ela deveria saber disso da tua boca. Mesmo que sejas tarde demais.
O amor é simples.
A gente que complica tudo.
A gente que exagera em tudo.
A humanidade foi feita para cometer exageros em cima de exageros.
O amor é facilmente explicado por todos os estudiosos e especialistas, a mente e o cérebro do ser humano não.
O amor é muito mais do que apenas se sentir bem. É ouvir. É escutar. É cuidar. É estar. É ter. É ver. E enxergar. E saber que, apesar de todas as dificuldades, tu estará lá sem titubear. Não existe luta. Não existe esforço. Não existe complexidade. No amor é tudo muito fácil. É tudo muito compreensível. E, veja bem, meu bem, a convivência que é complicada, porque somos seres humanos com hábitos e gostos e atitudes diferentes, isso já não tem nada a ver com o amor. O amor entra quando tu percebe que mesmo diante de todo inferno, existe algo lindo do teu lado. Tal qual uma flor no meio de um lixão.

E entenda, se tu conseguiste entender todas as minhas palavras até aqui, não leve todas elas para o coração como um cristão leva a bíblia a sério e a risca. Quando eu falo de amor, eu sou tão perdido quanto você por ter escolhido o caminho errado entre todos os romances várias e várias vezes seguidas. E eu não quero que essa carta soe como autoajuda porque eu, mais uma vez, ODEIO toda essa porcaria de autoajuda. É um porre e todos sabemos disso.
Mas eu quero te fazer enxergar que em algum canto lá fora, existe alguém que realmente sente tua falta. E, as vezes, tu nem sabes disso.
E eu te falo isso por carregar alguém em meu peito todos os dias que mal sabe que eu sinto essa falta constante aqui dentro, mas a gente já não se importa em saber. A gente!
Eu carrego comigo uma falta que aperta, que mata, que cega, que cala e que mata novamente. E eu gostaria muito de ter a coragem de discar o número do telefone para dizer tudo isso para ela, mas a gente nunca tem essa coragem.
Qual é a tua falta em meio a tanta loucura?
E veja bem, meu bem, nesse exato momento tem alguém sentindo a tua falta e tu nem sabes disso.
Isso tudo é muito louco, não é?!

- Tu já escreveu alguma coisa que odiou, querido?
- Eu odeio tudo que escrevo, querida - abri outra cerveja.
- Porque tu deixa essa ferida aberta em ti, meu bem?
- Não tenho escolha. Essa dor nunca vai embora.
- Se tu odeias tanto tuas coisas que escreves, porque continua escrevendo?
- Por necessidade, querida. Apenas isso.
- E qual é essa tua necessidade?
- Eu me salvo toda vez que escrevo uma carta, meu bem. Acredito que se não fosse esse meu dom de transformar em cartas todas as minhas tristezas, eu já estaria morto.
- E as pessoas que insistem em ler tuas coisas, querido?
- Meia dúzia de gatos pingados que me salvam novamente depois de escrever estas cartas.
- O que queres dizer com isso, meu bem?
- São as pessoas caretas, os covardes, os que não sabem amar, os loucos, os poetas mudos, os artistas cegos, os alcoólatras, os fumantes, os desgraçados, os que sofrem. São as pessoas que pedem piedade por eles e por mim. Os que me entendem. Os que eu salvo, muitas vezes, com apenas uma linha de minhas cartas que fazem eles enxergarem uma luz no fim do túnel. São os homens que choram. As mulheres que amam. Os gays. As lésbicas. Os fortes de pele escura. São os fracos. Os carentes. Os drogados. As prostitutas. São os perdidos. Os que amam sexo. Os que odeiam uma transa sem sentido. São os miseráveis. Pessoas pequenas de almas grandes. São pessoas inseguras. Os que não acreditam em nada. São os derrotados. São os que esperam o amor cair do céu. São os insetos que vagam com pernas pelo mundo e acreditam em qualquer bela poesia por ai. Eu me encaixo dentro de todas essas pessoas. São as pessoas do mundo em que me enxergo. Caretice é não saber amar, meu amor. Covardia é não querer amar, meu bem. Mesquinho é aquele que lê uma poesia e não se sensibiliza. E eu quero estar sempre no meio dessa meia dúzia de gatos pingados que me salvam sempre que falam "Tu é foda e me salvou com mais uma carta". E eu tenho o dom de transformar esse meu tédio em arte, por mais que não entendam. E eu não dou a mínima quando falam que nunca serei famoso escrevendo essas porcarias.
- Quer outra cerveja, meu bem?
- Por favor, querida.
- Não queres ser grande como escritor, meu bem?
- Quero salvar as pessoas, querida, sendo elas apenas 10 ou 10 milhões. Quero ser oito ou oitenta quando acordar, escrever e mesmo assim elas entenderem tudo que insisto em escrever. E ainda sim, sentirem minha falta quando eu partir. Quero fazer falta, querida. Ter sucesso não me importa, ser importante que é necessário.
- Sentes falta de alguém?
- Nesse momento?
- Sim, querido.
- Da cerveja, meu bem. Da cerveja.


Um comentário:

  1. Senti como se falasse da minha vida,tão eu,tão meus sentimentos ����

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