quinta-feira, 9 de abril de 2020

Em um momento que pensei no teu corpo... (Isso não é uma carta romântica!)

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E me dê um tiro se isto se transformar em algo romântico.
Pensemos assim. Tente entender.
E ver. E pensar.
Quem sabe, em um momento em que me perdi, posso te salvar.
Há dez anos atrás, quem era você?
O que era você?
O que era nós?
Tu. Eles. O mundo. O que era toda essa porcaria que chamamos de mundo?
E eu posso te dizer e botar a pensar que há dez anos atrás tu estavas sozinho, rodeado de gente, sonhando as coisas mais loucas e absurdas do mundo.
Em terminar o colégio. Em qual faculdade entrar. Em que curso fazer.
Será que aquela garota do segundo ano gosta de mim?
Será que aquele garoto popular já me notou em algum sentido?
Qual será o emprego dos meus sonhos?
Deveria começar a beber?
Deveria começar a fumar?
Deveria me importar com o que os outros pensam?
Perguntas e perguntas e perguntas. E nunca obtivemos respostas.
E não pense que isso aqui seja uma carta de autoajuda. Eu odeio toda essa porcaria.
Só quero te fazer pensar para refletir depois em onde quero chegar.
E, talvez, tu não entendas onde quero chegar, mas espero que, em meio a toda essa loucura, meus pensamentos te façam se distrair um pouco de tuas loucuras.
Porque eu tenho esse talento de escrever todas as coisas que sinto e penso e vejo e ouço, mas te darei sinais de que nada é pensado ou planejado. Eu apenas sento de frente com a tela branca e escrevo e escrevo e escrevo. Deixo os meus dedos falarem por mim todas as coisas que eu gostaria de expressar com palavras e atitudes.
Mas existem sensações que a gente não pode expressar todo tempo.
Existem pensamentos que a gente não pode cuspir em qualquer boeiro.
E existem cervejas que descem tão amargas que a gente não pode indicar para qualquer pessoa.
Mas existem ideias, e essas ideias são todas bem vindas, independente de surtos.
E eu surtei neste momento.
E eu surtei ontem a noite.
E eu surtei madrugada passada.
E a retrasada.
E eu esqueci quantas noites mais eu surtei por estar preso dentro de mim mesmo.
Esquece o surto. Esquece a crise. Esquece os problemas. Esquece a loucura. Esquece as bagunças. Esquece a tristeza. A solidão. A ansiedade. Ah sim, esquece a ansiedade.
Faz a tua mente entrar no que eu quero te falar. Faz o teu corpo sentir todas as coisas que eu senti escrevendo esta carta.
E eu espero que não se sintas mal. Não no meio desse fim de mundo em que vivemos.
Eu quero fazer você se sentir bem, por mais que eu não me sinta bem.
E eu quero colocar um sorriso no teu rosto, por mais que todas as minhas palavras sejam lágrimas escorridas pelo meu rosto.
E eu quero te abraçar, por mais que eu me sinta sozinho.
Eu quero fazer você sentir algo bom ao ler minhas palavras.
Eu quero fazer você sentir algo puro ao ler tudo isso aqui.
Então, apenas pensa. Abre a mente e reflita. Quem era você há dez anos atrás? Quem era o teu eu há dez anos atrás? Onde estão todas as coisas que você planejou e pensou e sentiu e viveu e surtou e amou e odiou? Onde estão todas essas coisas? Onde está você? Está ai dentro de ti ou te deixaste lá atrás onde tudo era perfeito?
Não quero fazer você se perder.
Não quero fazer você chorar.
Não quero fazer você se frustar com os pensamentos de que a maioria dos planos que fizeste lá atrás, tu não conquistou metade deles.
E eu sei que não conquistou.
A gente nunca conquista, mas não porque não somos capazes, e sim porque a gente larga todos aqueles planos e pensamentos pelo fato de que a gente não se interessa mais.
A gente sorri quando pensa em todas as loucuras de adolescente que fizemos.
E a gente brinca.
A gente gargalha.
A gente faz piadas internas de algo que sentíamos e vivíamos. E tudo bem a gente se sentir assim, é normal a gente se sentir assim. Nossos gostos mudam. Nossas vidas mudam. Nossas opiniões e planos mudam. As coisas que a gente amava fazer são todas as coisas que hoje a gente odeia. E tudo bem você se sentir assim. Somos uma mudança constante nesse mundo inconstante.
E tudo bem a gente se sentir assim. Não tem problema.
Não realizar nossos planos de anos e anos atrás não é uma derrota, são só mudanças. E a gente se frustra mais quando percebemos que não mudamos.
Quem era tu há dez anos atrás?
E o que você fez?

- Senti saudade das tuas cartas, meu bem.
- Cadê aquela pessoa que odiava meus textos, querida?
- Ela mudou.
- Isso quer dizer que agora ama minhas palavras melancólicas escritas para ninguém?
- Não. Isso quer dizer que amo a pessoa em que você se tornou.
- Eu era tão mal assim, baby?
- Mal não. Tu nunca fostes mal. Apenas enxergava o mundo com raiva.
- Mas eu ainda enxergo o mundo dessa forma.
- Mas tu agora acredita na mudança e não se importa que te chamem de louco por isso. Tu acreditas que as coisas podem ser melhores e eu acho lindo isso em ti.
- Ah querida, desce uma cerveja, por favor?!

Meu quarto está mais bagunçado que a minha barba, meu bem.
Sigo usando as mesmas camisetas velhas.
Ouvindo músicas antigas.
Bebendo todas as minhas cervejas em apenas um dia.
Vejo e revejo fotos e cartas antigas e sempre sinto vontade de rasga-las.
Meu coração está perdido.
Minha mente está aflita.
Me tornei sedentário por causa do isolamento social.
E minhas tristezas e frustrações e preocupações estão mais afloradas que as dos dias normais.
Isso me machuca o suficiente para escrever uma carta longa sobre algo que não irei me importar depois.
Minha cama está bagunçada.
O rádio está ligado com o volume baixo.
Meu cachorro está deitado num canto solitário.
O ventilador de teto segue fazendo o mesmo barulho repetitivo que ele fazia quando eu amava outro alguém.
Amor?
Caralho.
Amor?!
Que porra é essa?
Como eu cheguei nessa palavra?
Deixa eu dar um gole na cerveja para lembrar que eu não devo mais escrever sobre amor.

Gole ingerido com sucesso!

Onde foi que a gente se perdeu?
A sacada da minha casa é larga e extensa o suficiente para que eu caminhe e pense em toda essa loucura que está sendo vivida lá fora.
Loucura. Sofrimento. Isolamento. Quarentena. Hospitais lotados. Macas lotadas. IML abarrotado. Tristeza. Esquinas vazias. Tão vazias que até as putas estão com medo de fazerem seus trabalhos. Escritórios fechados. Bares fechados. Bancos fechados. Puteiros fechados. E a loucura nos consome. E o medo de não saber o que o amanhã estará aprontando para nós está no ar. E o egoísmo venceu. E a falta de dinheiro venceu. E o medo de não ter dinheiro para pagar as contas vencidas já assolou a população por completo. E as pessoas estão morrendo. Adoecendo. Sofrendo. E morrendo. E a gente investiga as redes sociais e nos enchemos de informações, muitas delas mentirosas e falsas, que fazem a gente se frustrar muito mais do que deveríamos. Nunca imaginamos estar passando pelo que estamos passando. Nunca imaginamos estar pensando e sofrendo em todas essas coisas trancafiados dentro de nossas próprias casas sem saber qual é o futuro esperado para todos nós. E eu te peço e te imploro e exalto para que mantenha a mente sã. Não surte. Não enlouqueça. Não se desespere. Tudo irá dar certo. A gente vai sair dessa. Eu sei que o medo invade nossas mentes e corações porque o mundo está perigoso demais, mas o mundo sempre foi esse vulcão em erupção e a gente sempre consegue sair dessa.
Não faça besteira.
Não saia de casa.
Não dê bobeira.
A gente vai sair dessa. Eu sei que vamos.
Eu já não me desespero. Entristeço, mas não me desespero. Mantenho a calma. Respiro. Ouço os pássaros. Vejo a vida passar pela sacada. Sinto o vento. Vejo o céu. Sinto o meu corpo. Me enxergo. Me abstraio. E respiro o mundo que nos tem dado. E eu sei que a gente vai sair dessa. E eu sei que um dia contarei essa história dessa loucura para os meus netos e lembrarei do eu de dez, vinte, trinta anos atrás. Saberei de todas as batalhas que enfrentei e, ainda sim, sorrirei e direi para todos eles que estou aqui vivo e forte e são.
A gente precisa passar por dificuldades para saber quem somos, o que fomos, o que seremos e o que a gente fez para sair de toda essa loucura.

Diálogo:

1. - Eu gostaria tanto de te ver.
2. - Eu sinto falta do teu abraço.

O mundo se acabando lá fora e estou com a mente sã.
Eu não surtei.
Eu não enlouqueci.
Eu não gritei.
Eu não chorei.
Eu não me desesperei.
Nem pedi arrego.
Muito mesmo pensei em desistir. Não ainda.
Mas, no meio disso tudo, eu lembrei que o amor ainda existe. E eu lembrei do teu sorriso. Lembrei do teu jeito. Pensei no teu corpo. Senti o teu cheiro. Ouvi tua voz me dizendo para ter calma. Me dizendo que tudo vai ficar bem. Olhei para os lados e não vi nada. Olhei para o meu cachorro e ele ainda estava no mesmo lugar. Olhei as garrafas vazias de cervejas pelos cantos do quarto. Tudo tão igual. Dei mais um gole em minha cerveja e lembrei que quem ama não se importa com esse gosto nos lábios de outro alguém. Comecei a me perder. Me perguntar o que estava acontecendo. Senti meu corpo tremer. Senti meu coração pulsar. Minhas mãos adormeceram. Meus olhos lacrimejaram. E eu lembrei que ainda sei amar.
OH DROGA, EU SURTEI, PORRA!
Imaginei nós dois na minha cama deitados pensando em como o mundo é louco.
E eu te ofereci uma cerveja.
Você aceitou e sorriu.
Eu desci para pegar. A mais gelada. A mais gostosa, assim como você.
E tu me disseste que colocaria uma música mais tranquila. Balancei a cabeça concordando.
Voltei. Te dei a cerveja e deitei ao teu lado.
Tu me perguntaste se eu não iria beber.
Eu apenas disse que queria me manter sóbrio pra lembrar sempre do teu rosto.
Você sorriu.
E me beijou.
E eu te coloquei por cima de mim para a gente se amar enquanto o mundo explodia lá fora.

E eu voltei a realidade, isso não é uma carta romântica.
Muito menos de autoajuda. Lembre-se.
Mas eu refleti que sou capaz de amar mesmo enquanto o mundo acaba.
Tu não és?
O que achas disso?

Coração e a mente humana é uma loucura, não é mesmo?
A gente surta por cada bobagem.
E mesmo assim, existem bobagens que são tão lindas de sentirem.
E existem tantas e tantas outras coisas que eu gostaria de escrever, mas ninguém mais se interessa.
Deixamos nossos interesses em algum canto de dez anos atrás quando o mundo não estava tão doente assim?

Diálogo:

1. - Voltaste a escrever, meu bem?
2. - Querida, enquanto publico esta carta, quero dizer que se eu fiz alguém sorrir, pelo menos uma vez, em alguma linha de toda essa porcaria, fiz algo por alguém nesse período de isolamento.
1. - E se fizeres alguém chorar, meu bem?
2. - É porque eu peguei no ponto certo, querida. Ainda sim, fiz algo por alguém nesse momento em que tudo está louco.

A pior doença não são as que estão lá fora. É quando a gente aprende a amar e, um dia, finge que esqueceu.

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