terça-feira, 12 de agosto de 2014

Eis aqui minha confissão


Envelheci. Acordei com a imensa vontade de escrever um romance, mas não daqueles romances que a gente sente o clichê, que a gente sente que aquilo não existe, mas mesmo assim a gente sonha em viver aquilo, porque naquelas linhas tristes e deslumbrantes contém um final feliz. A gente sempre espera um final feliz e isso sempre me soa triste demais, no final de tudo existe a morte e a morte nunca é feliz demais, a não ser que essa nossa morte não faça falta pra ninguém. Quem choraria por nós? Quem se desesperaria por essa perda? Acredito que isso já esteja começando a soar clichê demais e eu ainda nem passei do primeiro parágrafo. Ah sim, eu ainda quero escrever um romance. Um romance que fale de todos os meus amores que não deram certo. Um romance que explique todos os meus caminhos, certos e errado, até aqui. Um romance que acabe com um verso qualquer e que mostre que eu continuo sendo infeliz e triste, mas amando. E sendo amado, talvez. Minhas mãos estão cansadas demais pra acreditar em príncipes e princesas e finais felizes. Minhas mãos estão velhas demais e hoje, aqui, só encontro forças pra digitar alguns parágrafos mais. Esses velhos parágrafos que fazem com que eu me sinta um pouco mais jovem, um pouco mais aliviado, um pouco mais em paz. Será que sou a unica pessoa que para pra pensar no quanto a gente muda com o passar dos anos?! Cinco anos. Dez anos. Quinze anos. Rugas e doenças vão aparecendo. Uma ambição vai surgindo, aquela ambição de querer encontrar a paz, um canto pra morar, uma boa comida, uma boa companhia - mas continuamos gostando daquele café quente no fim da tarde. Pessoas em nossas vidas vão morrendo. Os amigos, os amores, os sentimentos, as alegrias. Tudo morre, pouco a pouco, assim como nós. A gente se pega sentado em um velho cômodo da casa e se sente cansado. Isso é triste. Os amores, porque todos eles morrem? O amor de nossas mães. O amor de nossos amigos. O amor de nossos corações. A gente esfria, a gente se frustra, a gente se deprimi, a gente se sente triste. Envelheci. É, eu envelheci, não o suficiente pra estar cheio de rugas e pronto pra morte, mas o suficiente pra se sentir cansado e menos amado. E eu ainda quero escrever um romance, mas ainda estou com medo do quão clichê esses meus parágrafos irão soar. Fico me perguntando quantas pessoas iriam ler um romance de um velho em espirito e triste como eu. Quem seria capaz de pagar algum valor por tais palavras? Fico pensando que só a morte seria louca o suficiente de fazer isso, ela me levaria, pensando: Pare logo de escrever essas coisas tristes.

Que triste seria...

Envelheci. Minhas mãos continuam cansadas, mas me encontro em posição de amar ainda. Amar os meus amigos. Amar os meus familiares. Amar as minhas escolhas e os meus erros. Amar os meus defeitos e minhas qualidades. Amar a minha depressão e a minha insônia. Me encontro em posição de amar qualquer coisa. A vida é feita só de amor? Não. A vida seria muito mais frustrante se tudo dependesse de amor. Eu já teria me suicidado. Envelheci e parei pra pensar em todas as coisas que vivi até aqui. Já bebi demais e passei mal. Já me fizeram sofrer e já fiz as pessoas sofrerem. Já sorri quando não deveria. Já chorei quando não poderia. Já escrevi várias e várias cartas e nunca entreguei pra alguém. Já senti falta de várias pessoas. Chorei por todas aquelas que já se foram. Já escutei música o suficiente pra uma vida inteira. Já li todos os meus livros e ainda penso em comprar montes e montes até que não caiba mais nenhum dentro do meu quarto. Já morri de preguiça. Já enjoei da vida, das pessoas e do mundo, mas no dia seguinte estava tudo normal. Já amei errado e me amaram erradamente - se você me ama, coloque isso dentro da sua caixa de defeitos e jogue essa caixa fora, JOGUE FORA, anda...JOGUE FORA. Já andei por tantos caminhos errados, mas andei por muitos caminhos certos, senão eu não estaria aqui hoje escrevendo mais um clichê para quem sente vontade de ler. Já me angustiei e deixei as pessoas angustiadas. Já me deprimi e deixei as pessoas deprimidas com a minha forma de pensar. Já teorizei demais, cheguei a alguma conclusão certa, mas algumas teorias não me levaram a lugar nenhum. Já fumei, cuspi e passei mal (como alguém pode gostar disso?). Já odiei um professor, já odiei meu chefe, já odiei meu pai. Já chorei noites inteiras por conta de uma briga com a minha mãe e chorei também pela ausência de meu pai de sangue que já se foi. Já senti medo de perder meu irmão, assim como já senti medo de perder meus amigos. Eu prefiro que eles me vejam dentro de um caixão do que eu veja eles ali dentro. O que eu irei levar de tudo isso? Lá na frente, quando eu estiver com a pele enrugada, os olhos cansados, as pernas fracas e o corpo todo trabalhado em minha idosa vivência, irei sentar numa cadeira velha e ouvir os pássaros cantando enquanto choro por minha velhice.

Que triste será...

Envelheci. Fico pensando no meu futuro. Nos meus filhos, netos, bisnetos, minha mulher. Desenho um futuro em minha mente, mas ao mesmo tempo fico me perguntando se vou chegar até lá. Será que eu vou sobreviver a tudo isso que está por vir ou, sem mais nem menos, irei cometer suicídio pra não ter que passar por todos os meus erros e defeitos? Já coloquei minhas mãos cansadas em meu rosto também cansado e chorei, chorei muito, chorei noites inteiras. Onde está o meu amor? Onde está o meu romance? Onde está o meu futuro? Porque as pessoas continuam lendo minhas palavras e se identificando com todas essas coisas tristes? A vida é triste demais quando você pensa demais. E eu penso demais e sinto demais e existo demais e tudo por demais. Cadê o meu romance? Cadê a morte pra me dizer que tudo isso é triste demais pra mim e para as pessoas? Cadê a minha velhice? Olho para as minhas mãos e vejo ela aqui, mas a morte sorri para mim como quem diz "Você tem muito o que viver ainda e muito o que escrever e muito o que chorar e muito o que amar.". Mas que droga tudo isso, talvez a morte esteja certa. Acordei com vontade de escrever sobre um romance, sobre um amor, sobre qualquer coisa e assim o fiz.

Que triste foi.

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