quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

(Des)Romantização da ansiedade

Resultado de imagem para chaplin tumblr
E a gente não sabe bem o que está acontecendo.
Quarta-feira de cinzas.
A gente acorda. Abre os olhos. Enxerga o mundo cinza.
Mais cinza do que o normal.
Não é pecado a gente pensar assim.
E a gente sorri.
Sorri para o mundo. Sorri para o cachorro. Sorri para as janelas.
As frestas inundadas de gotas por causa da chuva que aconteceu a madrugada passada mostra que o dia será muito mais do que cinza.
O cinza.
Cinza. Cinza. Muito cinza. Quase preto.
Apagado. Apegado. Chorado.
Que comece mais um dia. Que a gente faça todas as coisas que temos para fazer, como escovar os dentes, lavar o rosto. Quem sabe um bom banho quente. Pode ser um banho em que a gente pense na melhor roupa, mas a gente não quer usar aquela roupa, a gente não se importa, mas a gente pensa nela. Quem sabe não encontramos alguém na rua, algum conhecido, alguém importante, alguém que se importe, alguém que sorria, que abrace, que seja, que esteja. Que te sinta. Que te deixe entrar. Que te pede para ficar. A gente nunca sabe quem a gente pode encontrar em um dia cinza.
A gente sai do banho. A gente esquece a combinação de roupa perfeita para um encontro do acaso.
Ah, mas a gente não se importa, lembra?
Desodorante. Perfume. Aquela ajeitada no cabelo.
A gente se olha no espelho e cai de encontro com o pior de nós.
Eca!
A gente não se importa. Outra arrumadinha no cabelo. E a gente sorri.
Um café. Um chá. Um pão. Uma bolacha.
Um belo café da manhã, quem sabe?! Com alguma companhia, quem sabe também?!
Mas o dia está cinza e a visão mais cinza ainda. Estamos ali. Sentados. Tomando café. Alguém está falando com a gente, nos desejando bom dia, mas a gente não se importa. A gente mal escuta, mas a gente sorri. Estou sorrindo. Eu te sorri. Você me sorriu. E eu te vi, com a visão turva, mas eu te vi. E tu me viu. E sorriu.
Enchi o estômago com café e bisnagas e bolachas e "bom dia", mas o estômago empapuçado de besteira estomacal pelo carnaval e café da manhã não faz tanta diferença quanto o vazio da alma que me corrói por dentro.
E a gente sai para o mundo.
Carro. Ônibus. Metrô. Chuva. Pessoas. Gente. Muita gente. É gente demais. Sorrisos, alguns. Tristezas, várias. Não importa.
Chuva caindo. Caindo chuva. Cinza. Céu cinza. Muito cinza. Visão mais cinza.
Entrei no carro. Coloquei um mapa para onde eu deveria ir.
A gente precisa se encontrar. E sorrir. E ser. E surpreender. E sorrir. Sorrir. Sorrir.
Foca nisso, viu?!
E a gente coloca uma bela canção.
Música, música sempre ajuda. Ajuda muito.
Calmaria. Gritaria. Não importa, mas ajuda. E sorrir. Sorrir ajuda. Ajuda muito.
Continua. Continua. CONTINUA!!!
Força. Você é capaz.
Coloque as mãos ao volante e sorria e cante a música bem alto, muito alto. Como se quisesse gritar.
E veja todas aquelas pessoas lá fora do carro com tuas vidas passando para lá e para cá.
O estômago começou a gritar pelas besteiras estomacais, não é?
Empapuçado?
Acho que não. Acho que são as paranoias te dando dores de barriga, mais uma vez.
Isso é um saco, tu não acha?
Dirija. Dirija. Sorria. Cante. Cante. Sorria. Não se esqueça. Sorria.
E continue!!!

- Bom dia, tudo bem?!
- Nossa. Acabei de entrar no meu trabalho, tudo tão automático que mal percebi.
- Como é?!
- Oh, nada, esqueça. Bom dia. Como passou o carnaval?!
- Cara, eu fiz uma viagem maravilhosa. Fui para o litoral, cachoeiras, muitos amigos. Tomei tanta cachaça. Você tinha que ver...

...

Ela me falou mais algumas milhares de coisas que não me lembro bem.
E eu sorri. Achei aquela viagem incrível.
Ou será que foi um passeio?
Ela foi viajar?
Estava sozinho?
Mas eu sorri. Acho que ela entendeu que eu entendi.
Odeio ser grosseiro.

...

A gente grita.
Que surta. Que surte.
Que chora. Que cava.
Que sente. Que implora.
Que nutre. E apaga.
Que paga. E estraga.
E estranha. Que apanha.
Que dói. E corrói.
E é tão mais forte que a gente.
E a gente não entende bem o que está acontecendo, meu bem.
Os olhos parecem que vão saltar de nós.
As mãos tremem. O corpo apaga. E surta.
E a gente sente tudo por dentro de nós, mas o vazio corrói.
E a gente sorri. Continua trabalhando. Estudando. Vivendo. E tentando.
Mas a mente não deixa. A mente grita mais alto que a gente.
E a gente pensa em desistir.
OH DEUS, eu cansei de contar quantas vezes eu pensei em desistir só hoje.
Mas a gente sorri. E eles falam que nossas roupas estão lindas. Eu mal escolhi o que vestir.
E que nosso perfume está perfeito. Que apega. Que fica. Que sente de longe. Eu mal sei qual perfume borrifei em mim.
Que estrangula. Que mata.
Que traga. Que bebe.
A gente grita. Grita muito.
Grita alto. Em silêncio.
Tudo em silêncio.
Que sufoca. Que abate.
Que fica. E não some.
E faz a gente sumir de nós mesmos. Onde foi que me perdi aqui dentro?!
A gente sente enjoos repentinos. As mãos ficam dormentes, mais dormentes. A mente apaga e foca apenas em coisas e situações e pessoas e momentos ruins. E a gente só pensa naquilo. O corpo dói. A cabeça pesa. A gente quer chorar, mas a gente não chora. A gente nunca chora, porque não temos forças para isso. Deixa a vida continuar assim. Uma hora passa. Acaba. Que paga. E apaga. E some.
Uma hora. Outra hora. Alguma hora.
As mãos agora estão geladas, a gente já não consegue prosseguir com o trabalho sendo tão eficaz quanto outros dias, mas a gente faz. E as pessoas elogiam, mas a gente sabe que não fizemos um ótimo trabalho. A gente sorri. Sorri com força. E elas lançam sorrisos para nós de volta e agradecem.
Pensamentos ruins. Sentimentos ruins.
"OH QUE ÓDIO DE MIM. Eu sou um inútil. Eu estou ridículo. Não consigo nem sofrer direito ou viver direito. QUE ÓDIO. QUE RAIVA. QUE RAIVA".
Eu gritei isso para mim mesmo!
Não. As pessoas não podem ouvir ou saberem que estou em minhas crises ou momentos de fraquezas, elas irão usar isso contra mim.
Silêncio. Se cala. Se acalma. Respira. Que tudo volta ao normal.
Eita, falta de ar invadiu os pulmões. A gente tenta puxar o ar com um pouco mais de força, mas o peito dói. O coração corrói e incha. A gente coloca a mão no peito e sente. E pensa "Eu estou vivo, olha, é isso mesmo, estou sentindo algo, por mais que seja dor, sou capaz de sentir algo". E a gente respira. E lembra e pensa em coisas boas.
Boas. Muito boas.
Cachorros. Família. Amigos. Trabalho. Romances. Filmes. Besteiras comestíveis. Cervejas. Cigarros.
Não.
Esses últimos não são tão bons assim.
Estou me acabando por inteiro com todas as minhas cervejas e tragos.
"QUE LIXO DE PESSOA QUE EU SOU!"
Eu gritei. Mais uma vez. Em silêncio.

A gente não entende muito bem o que está acontecendo.
E eles não enxergam bem o que está acontecendo.
Aquela garota da recepção que me deu bom dia me disse que eu estava muito bem hoje.
Calmo. Tranquilo. Quieto, mas tranquilo. E que eu estava muito bem com a roupa que eu estava usando, que dava até vontade de me abraçar e me apertar o dia inteiro.
E eu sorri.
E pensei "Será que ela sabe quantas vezes pensei em desistir da vida só enquanto ela fala comigo?", e eu sorri, agradeci.
E dei por conta de que as pessoas não sentem o que eu sinto, elas mal enxergam.
PUTA QUE PARIU!
Solidão. Solidão. Solidão.
Me senti mais sozinho que o normal. E isso me afetou.
A gente se sente sozinho, mas estamos sozinhos e morreremos sozinhos.
E a gente pensa em quais pessoas sentirão nossa falta.
CARALHO, estamos sozinhos. Não sou grande coisa para minha família. Não sou grande coisa para os meus amigos. Meu trabalho não é minha vida. Minhas artes ficarão por algum canto.
É tão triste.
Meu estômago começou a doer de novo.
Quase anoitecendo. Lembrei que só tinha tomado aquele belo café da manhã.
E estava gostoso.
Para onde mesmo aquela garota disse que tinha viajado?
Não prestei tanta atenção.
E sabe o que é foda? A gente pensa em todos os nossos erros nesses momentos.
O dia em que terminamos com a pessoa que a gente dizia amar.
O dia em que eu dei uma resposta mais grossa para minha mãe.
E a vez em que levantei a voz para o meu pai?
Não tenho falado com meu irmão há dias.
Será que eu fiz alguma coisa para algum de meus amigos para eles não me mandarem mensagem?
Será que eu dei comida para o cachorro antes de sair de casa?
CARALHO, será que eu dei comida para ele? E A ÁGUA?!
Preciso arrumar meu carro. Preciso guardar dinheiro. Preciso pegar meus exames. Fazer outros exames e cuidar mais de mim.
Preciso pensar em algo para fazer no meu aniversário.
Será que todos os meus amigos irão?
Nossa, eu ficaria devastado se, pelo menos, meus melhores amigos não fossem. Machuca!
O que eu estava pensando?
Será que tenho que fazer algo agora?
Porque meu estômago queima e meu coração pulsa desse jeito?
Qual era mesmo a música que me deixava mais calmo?
ME DIZ. ME DIZ. ME DIZ, PORRA!
E eu gritei.

Gritei em silêncio.
E fui para o banheiro.
E chorei. Quietinho.
Eles não viram. Ninguém me viu lá.
Eles nunca me enxergam nesses dias.
É normal. É natural.
E eu gritei mais um pouco.
E enxuguei os olhos.
Sequei as lágrimas. Me olhei no espelho.
Gritei em silêncio novamente. Senti enjoos.
Vomitei. O estômago doeu.
Me limpei, outra vez. Me ajeitei. E sorri.
Sai do banheiro. Dei de cara com um cliente e ele disse "Linda sua camisa, hein?".
Eu disse "Obrigado" e sorri.
Sorri, mais uma vez!

...

- Nossa, filho, você está com um sorriso incrível hoje. Fazia tempo que não te via assim, tudo bem?
- Tudo sim, mãe.
- Estou te sentindo tão bem, filho. Fico feliz.
- Obrigado, mãe.
E sorri.

E subi para o meu quarto.
Meu cachorro me viu. Fez festa.
Eu tinha colocado comida para ele. E ele latiu agradecendo.
E eu peguei ele no colo para dizer que tinha tido uma crise hoje.
Ele latiu.
E eu sorri.
Fui para o banheiro. Me olhei no espelho.
Coloquei Bad Dream do Eddy Clearwater para tocar. Dei de cara com meu quadro do Bukowski e lembrei que em sua lápide está escrito "NÃO TENTE". Bukowski sabia das coisas.
E eu pensei em suicídio outra vez antes de adentrar no chuveiro com uma bela cerveja em mãos.
Eu olhei para a cerveja e lembrei "Preciso me cuidar". E escrever.
Preciso escrever.
E escrevi.

A solidão é triste. Ter pessoas ao seu redor e se sentir totalmente sozinho o tempo todo é mais triste ainda. Ansiedade e depressão me comem pelas beiradas e lutam para ver quem termina o prato do dia primeiro. É cansativo.

Por falar em comer, preciso empapuçar o meu estômago com algo comestível.
Deixa para depois dessa cerveja.

A água cai quente sob minha cabeça e me acalma.
Então eu penso "Estou bem. Estou bem. Tudo bem" e sorrio.
Chaplin era triste, mas sempre sorria.
Não sou tão grande e jamais serei, mas posso fazer o mesmo.

...e sorrio.

Um comentário: