quarta-feira, 12 de junho de 2019

Peguei ela pelos dedos para dançar, mas esqueci de perguntar o ritmo de tua música!

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- Mesquinho!
- O que seria de nós sem mesquinharias, meu bem?
- Medíocre!
- O que seria de nós sem mediocridades, querida?
- Escroto!
- O que seria de nós sem a escrotidão, meu bem?
- Idiota. Babaca. Inútil. Amoroso demais!
- O que seria de nós sem as idiotices babacas e inutilidades amorosas, querida?
- Vai para a puta que te pariu. Você e todas as merdas que escreve!
- O que seria de ti sem minhas escritas, meu bem?
- Um pouco mais esperançosa.
- Mas, meu silêncio te machucaria?
- Machucaria, mas esse teu jeito de desacreditar no amor me machuca para um caralho, querido.
- Foda-se, meu bem. Tu mal se importa.
- Foda-se você, porra. Tu vive nessa merda de boteco, as traças, jogado, surrado, perdido, bebendo e escrevendo. Observando tudo a sua volta e falando nada. FO-DA-SE você, porra.
- O que queres de mim, querida?
- Você! Eu sempre quis você.
- O surrado, perdido, bêbado ou o escritor?
- Você. E nada mais!

Entrei no bar. Fui até o balcão. Sentei. Olhei para o garçom e não precisei pedir o de sempre. Ele me viu. Acenou com a cabeça. Me trouxe uma cerveja. Aquela do canto da geladeira. Gelada. Trincando. Abriu. Colocou no balcão e me desejou "Saúde". Eu pensei "Foda-se". Levantei a cerveja em forma de aceno. Bebi. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco goles. Deixei ela quase pela metade. Coloquei de volta no balcão. Olhei tudo e todos ao meu redor. Te procurei. Seu cheiro passou pelas minhas lembranças e eu te procurei de novo. Não te encontrei. Virei para o balcão. Dei mais dois goles. Abaixei a cabeça e pensei em tua voz. Tentei lembrar de tua voz. Não chegou nada até mim. Voltei a te procurar. Você entrou pela porta do bar. Pegou a comanda. Deu cinco passos. Olhou tudo e todos ao redor. Teu olhar foi de encontro ao meu. Sorriu. Não se importou. Foi para a cadeira mais afastada possível da minha. Dei de ombros. Virei de costas. Bebi mais da minha cerveja. Você se sentou. Continuei ouvindo o blues constante tocando pelo ambiente. Senti o blues. Vivi o blues. Bebi mais. Acabei com a cerveja. Acenei pedindo outra. O garçom me viu. Acenou novamente com a cabeça. Me trouxe mais uma.
Ele sabe muito bem o que faz.
Gelada. Trincando. Do fundo da geladeira.
Deu de frente a mim. Abriu. Me entregou. Não disse nada. Peguei a cerveja. Acenei. Bebi.
Virei para te olhar. Você estava deslumbrante. Quieta. Calma. Muda. Perfeita. Linda. E eu não tirei os olhos de você.
Observei o que estava bebendo. Algo parecido com drinque feito com vodca.
Perfeito!
Pensei.
Seu dia deve ter sido dos brabos. Beber vodca na primeira dose sem nem pensar? Isso sim é para mulheres fortes. Mulheres perfeitas. Como todas as outras. Mas existia algo muito além da perfeição em você vinda dos meus olhos. E eu não sabia o que era.
Deu mais um gole em sua bebida.
Abriu sua bolsa.
"Ela vai pegar o celular", pensei.
Tirou um livro de cor laranja. Abriu. Começou a ler.
Que mulher magnifica!
Dei de costas. Virei para o balcão. Um, dois, três, quatro, cinco, seis goles. Quase acabei com a cerveja.
Chamei o garçom para lhe perguntar sobre a mulher que pediu vodca. Ele me disse que era Gin tônica. Logo voltei a pensar que seu dia foi realmente muito dos mais brabos.
Bebi mais uma pouco. Voltei a olhar para ela. Elegante. Linda. Perfeita. Sincera. Calma. Lendo. Com sorriso leve nos lábios vermelhos.
Meu coração apertou.
Acelerou.
Saiu de mim.
Senti vontade de te escrever todos os poemas possíveis. E pensei em vários. Escrevi vários em minha mente. Te dediquei todos.

Levantei.
No momento em que me levantei, a música do blues foi para o jazz. Animado. Elegante. Incrível. Todos se levantaram. Começaram a rir. A cantarem alto. A dançarem como se não existisse um mundo lá fora.
E eu pensei "Desde que essa mulher entrou neste bar, não existe nada lá fora".
Fui até sua mesa. Cheguei perto. Você me avistou. Sorriu como antes.
E eu pensei "Vou chamar ela para dançar".
Te estendi a mão.
Você apenas olhou.
"Vamos dançar?", eu disse.
"Mas essa música nem é romântica", você disse.
E eu pensei na existência de um romance entre nós dois.
Você se levantou. Sorriu mais uma vez. Chegou mais perto.
Fechou a cara.
Olhou para o balcão. Viu a minha cerveja quase no final. Olhou para o meu caderno de anotações e a caneta sem tampa.
E disse:
- Você é escritor, querido?
- Tentativa mais frustrada de um deles - eu respondi.
- Quantos textos já escreveu?
- No mínimo uns 3 por dia.
- Quantos livros escreveu?
- Criando coragem para a porcaria do segundo.
- Ah, querido. Meu bem, meu bem, meu bem!
- Não estou te entendendo, baby.
- Existe muito sentimento nessa merda toda. Eu não sou feita para sentimentos demais. Iremos dançar. Beberemos algo juntos. Te abraçarei. Logo em seguida te beijarei. Iremos para um quarto barato de motel. Beberemos mais. Transaremos. Transaremos a noite toda. Amanheceremos juntos numa cama qualquer. Iremos embora. Cada um para seus trabalhos medíocres e rotineiros. Quando o dia acabar, tu irá escrever qualquer porcaria sobre a minha pessoa. E eu não quero ser motivo de textos tristes de ninguém.
- Tristes?
- Não posso te dar o que quer. Amor de verdade. Posso te dar uma noite incrível, mas de amanhã em diante seria apenas sofrimento.
- E o amor é o que, meu bem? E um poeta é feito do que, querida? Exatamente do que estas me dizendo.
- Não compartilhamos do mesmo amor.

Sorriu. Beijou o canto de minha boca. Voltou para sua mesa. Deu dois goles em seu gin. Voltou a ler o livro. E eu pensei "Que mulher maravilhosa. Que mulher incrível".
Como todas as outras, mas essa tinha algo real. Algo sincero. Algo fantástico.
Escrevi mais alguns poemas. Não lembro de nenhum deles.
Levantei. Acenei para o garçom.
Fui embora. Nem olhei para trás.

O amor faz algum sentido para você?

E essa carta aqui?

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