domingo, 11 de janeiro de 2015

Envelhecendo

É horrível a sensação de escrever um conto como se fosse o último. Escrevo um conto razoavelmente bom - para mim - e fico com o pensamento de que aquele conto será o melhor que já fiz na vida. O melhor que já dei de mim, mas nunca é. Então, posso morrer amanhã ou não ter idéias boas o suficiente para fazer um conto melhor do que aquele. Que sensação perturbadora.
Penso. Sinto. Vivo.
Penso em minha velhice. Não vivi nem a metade de uma vida inteira e já me sinto um velho. Um velho sem rugas, mas me sinto velho. Gosto das coisas antigas, gosto das canções antigas, dos momentos antigos, dos perfumes e temperos que hoje já não existem mais. Gosto do tempo perdido e dos amores não correspondidos. Gosto de lembrar das pessoas que parti o coração e de lembrar os erros que cometi. Já pensou nos teus pecados essa tarde?
Daqui uns anos terei rugas, as pernas estarão cansadas, dores e doenças me afetarão. Terei dificuldades em dar uma boa foda e beberei menos (ou não). Triste pensar assim. Talvez, estarei em um leito de hospital com minha mulher do lado dizendo que morrerá logo em seguida que eu partir ou talvez morrerei sozinho por ser esse novo velho chato e rabugento. Quem sabe. Penso nos sorrisos tristes que darei até chegar lá e nos momentos angustiantes que ainda enfrentarei. Penso no meu coração que baterá forte por várias e várias vezes, mas no momento de minha morte ele estará fraco, tão fraco quanto o meu sorriso triste. É triste morrer tão só e tão triste, mas seria mais triste ainda morrer e não ter o que escrever. Volto então a pensar nas mãos que aqui vos escreve. Esse pensamento continuo de que logo em breve terei o meu em meu peito e o formigamento na boca do estômago por não saber o que escrever, por onde começar e onde colocar o ponto final. Fico pensando nos olhos que lerão essas palavras tristes e os possíveis sorrisos que elas darão ao compartilhar minhas idéias. Também penso nos choros contidos que as pessoas darão ao lerem algumas palavras que entrarão tão fundo no peito delas que parecerá uma navalha cortando suas veias. Assim são minhas palavras, muitas vezes.

- Quero crescer ao teu lado. Tanto em vida, quanto em amor e felicidade! - eu disse.
- Eu chorei tanto com suas palavras. Eu te amo! - ela respondeu.

Gosto que sintam minha falta antes que eu morra. Gosto que transpareçam sorrisos por mim e por quem sou. Gosto que lembrem de mim enquanto ainda estou aqui. Não. Não quero morrer e me tornar um herói, um poeta, um exemplo de escritor. Não. Não quero morrer e me tornar a pessoa mais magnifica do mundo, onde elas sintam vontade de fazer um filme sobre mim, mostrar tudo aquilo que fui e o que não fui. Me fazer de exemplo para seus filhos e netos. Não. Não sou exemplo nem para mim mesmo, imagina para a humanidade. Quero apenas que lembrem de mim como a pessoa que escrevia tuas idéias em publicações avançadas ou em simples folhas de papel. Quero que vejam minhas palavras e se lembrem de tudo aquilo que fui e deixei de ser. Deixei minha herança. Uma rica herança. Cartas, folhas de papel, cadernos, anotações, livro, publicações e pensamentos. Não tenho todo dinheiro do mundo, mas tenho todas as palavras que o mundo me entrega e faço questão em lhe entregar todas essas palavras sem cobrar valor algum. Eis aqui minha velha e caridosa pessoa.
Volto a refletir. Daqui uns anos terei o olhar cansado, o sorriso forçado, as costas corcunda, orelhas e nariz maiores, cabelos brancos, pele enrugada. Estarei velho, muito velho. Isso é triste de se pensar também. Gostaria de morrer da forma em que me encontro. Velho de espirito, mas novo em corpo. Bebendo, escrevendo, pensando, transando, falando milhares de palavrões, aguentando andar, sonhando, sorrindo, chorando. Penso que não quero morrer tão velho assim, sem um sonho, sem uma ambição, sem ter pelo que sorrir a não ser meus filhos, netos e esposa. Não quero ver o sorriso, também forçado, de minha mulher me implorando para não ir embora. Não quero que as pessoas usem a frase de conforto "Já viveu tudo o que tinha para viver. Já era hora e ele não precisou sofrer". Não. Não quero. Odeio esse pensamento aflito, mas no fim das contas ele faz todo sentido.

- Você ainda me amará amanhã? - perguntei.

Ao clichê passível ter medo de envelhecer. Clichê se tornar velho. Clichê ter medo de morrer. Clichê amar e escrever poemas e poesias. Sou esse velho escritor que logo fará aniversário. Estou envelhecendo rapidamente, mas ainda devo amar, devo viver, devo escrever, devo beber, devo fazer sexo loucamente. Devo errar e aprender. Devo ser clichê e verdadeiro. Devo dar lições de moral e tomar vários puxões de orelha. Devo ser burro e inteligente. Devo ser tudo e nada. Devo amar tudo e odiar todos. Não preciso parar de beber, não agora, não ainda. Não preciso ter medo de ter ambições e valores. Meu caráter bate no peito e isso me dá o respeito que preciso. Não preciso parar de amar as coisas antigas e todas as situações que vivi, elas me trouxeram até aqui. Devo ter medo de envelhecer, mas não devo ter medo da morte. Morrer se torna clichê demais quando se tem medo de viver. Nunca tenha medo de viver. NUNCA.
Transpareço tudo que penso. Escrevo e lhes entrego. Não sinto vergonha de palavra nenhuma e nem elas sente vergonha de mim. As palavras me amam e isso é reciproco. Deixa as palavras me amarem enquanto a humanidade se odeia.
Quero acordar e ver tudo que existe de lindo no mundo. Quero esquecer que a humanidade sempre estraga tudo. Quero esquecer dos amores passados e lembrar desse tão lindo que estou vivendo agora. Quero lembrar dos amigos, esquecer os inimigos e sorrir. Quero abraçar meus pais. Ouvir as alegrias de meu irmão. Quero me embebedar. Quero conversar e sorrir e aprender e esquecer da morte. Quero a melhor noite de toda a minha vida depois de um dia de merda. Quero tudo, mas tudo do pouco que me convém, mesmo nunca esquecendo que o mundo sempre me entrega coisas ruins também. Quero essas poesias e sentimentos clichês, mas sempre sendo revestidos pelos verdadeiros. Quero olhar para o lado e ver o meu amor aqui e esquecer, mais uma vez, a quantidade de portas que bati atrás desse sentimento verdadeiro. Me deixa sorrir até envelhecer. Que eu crie rugas pela quantidade de sorrisos que obtive na vida e não pela quantidade de tristezas que colecionei.
Consegui me livrar dessa angustiante sensação de que não conseguiria escrever um conto novamente. Minhas palavras estão aqui, Encaixadas onde deveriam. Agora é a hora que pago as consequências por todas elas e então, num outro dia qualquer em que for escrever, que essa sensação angustiante volte.

Escrevo através da angustia e a maioria me compreende. As horas passaram e eu envelheci mais um pouco.

- E você ainda me amará daqui uns anos? - pensei.

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